O que Ana Maria Gonçalves e 'Superman' nos dizem sobre o imaginário em disputa no nosso tempo

6 horas atrás 1

"Mãe, a gente pode ir ao cinema amanhã?" Não é todo dia que recebo um convite do meu filho de 14 anos. Quase sempre, ele, a irmã e o irmão me pedem um Pix para saírem com os amigos, e no máximo levo ou busco. Mesmo que a agenda não estivesse livre, não tive dúvidas sobre remanejar o programado para assistir "Superman" com o pequeno-grande.

Era quinta, 10 de julho, e Ana Maria Gonçalves havia sido eleita para a Academia Brasileira de Letras. A primeira mulher negra em 128 anos. Até nossa República racista e machista foi mais rápida, permitindo que Antonieta de Barros fosse eleita deputada estadual em Santa Catarina, em 1934, que Benedita da Silva fosse eleita a primeira vereadora negra no Rio, em 1982, e depois primeira deputada federal, em 1986, e primeira senadora, em 1994.

Até a Academia Francesa, símbolo da "alta cultura" eurocêntrica, elegeu Maryse Condé, nascida em Guadalupe, em 2023. Imaginem minha euforia com a eleição de Ana Maria para a ABL. No início do filme, não resisti a espiar o celular vez ou outra, mas o "mãe!" foi suficiente para me repreender e focar na tela.

Lex Luthor é um empresário armamentista que inventa guerras e brinca, ele mesmo, de comandar um exército sentado em computadores, digitando golpes que atingem fisicamente o Super-Homem. Tem até campanha de destruição de reputação nas redes, com centenas de macaquinhos treinados para disseminar notícias falsas e discurso de ódio nas redes.

Um estadista machista e extremamente autoritário é peça na engrenagem de Luthor por dinheiro, poder e, mais importante, o desejo de destruir o herói norte-americano que foi inventado em oposição ao nazismo na década de 1930.

Lois Lane, além de par romântico de Clark Kent, é uma baita repórter que trabalha em conjunto com seus colegas para denunciar a falácia da guerra e mostrar os interesses ocultos de quem a promove.

Longe de ser um filme profundo ou de muitas complexidades, "Superman" me pareceu empenhado em mostrar os desafios do nosso tempo. Se antes, os norte-americanos apoiavam incondicionalmente o super-herói, em 2025, uma campanha de difamação pode colocar as pessoas contra ele.

Além de Lois, quem mais se mobiliza para ajudar o Super-Homem é um vendedor de comida de rua, com traços e nome indianos, nascido nos Estados Unidos. O homem não-branco, que parece imigrante mas é afirmado como cidadão americano, segue confiando no herói da esperança, da justiça e da liberdade. Mesmo que a massa do país, branca e negra, caia no jogo produzido pela aliança entre um empresário perturbado e um estadista autoritário.

O Super-Homem, nascido no planeta Krypton, toma consciência de sua humanidade a partir da relação com a mãe e o pai adotivos, gente simples do interior dos EUA, que educa uma criança com amor e valores de bondade e justiça. Ele escolhe usar seus poderes para ajudar as pessoas. E, quando não está voando de capa, usa óculos de grau para investigar o poder como repórter.

Voltando para casa depois do filme, meu filho pergunta: "Você entendeu, né? A Faixa de Gaza? Elon Musk e Donald Trump? A questão da imigração?" Acho que entendi sim, meu filho, mas me explica? Pedro, aos 14 anos, me explicou tão bem, que me inspirou a escrever a coluna sobre um super-herói, na semana em que Ana Maria Gonçalves é eleita imortal.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar sete acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

Read Entire Article