O que é o controverso 'tratamento de princesa' e por que a geração Z é obcecada por ele?

22 horas atrás 2

Estamos acostumados a ver cortejos à moda antiga da alta sociedade em séries como "Bridgerton", "Os Bucaneiros" e "A Idade Dourada".

Mas agora o fascínio pelo cavalheirismo destas séries de época se transformou no fenômeno de rede social favorito da geração Z, que está ganhando força rapidamente: o "tratamento de princesa".

Esta nova tendência de relacionamento se refere a vários gestos supostamente dignos de contos de fadas feitos pelos parceiros das mulheres, incluindo (mas não se limitando a) café na cama, flores toda sexta-feira, manicure paga pelo parceiro e portas sendo abertas para você.

Nas postagens nas redes sociais, o tratamento de princesa é normalmente contrastado com o "mínimo necessário" (pense: expectativas básicas de comunicação e lembrar de aniversários).

E, é claro, esse tratamento é extremamente "clicável": as plataformas de rede social têm transformado cada vez mais atos privados de afeto em exibições públicas.

Mas até que ponto isso é saudável? Parte uma tendência de boas maneiras, parte aspiração de relacionamento, parte fantasia, será que o tratamento de princesa é empoderador, uma mera diversão ou um tipo sinistro de "tradicionalismo" em relação ao papel da esposa exacerbado?

Quase 130 mil publicações no Instagram estão reunidas sob a hashtag #princesstreatment.

No centro da tendência está a influenciadora Courtney Palmer, de Utah, nos EUA, que se autoproclama "princesa dona de casa", cujo TikTok —visualizado 7,6 milhões de vezes— descreve suas expectativas controversas em relação ao cônjuge. "Em um restaurante com meu marido, eu não falo com a recepcionista, não abro a porta nem peço a minha comida."

Alguns críticos sugeriram que isso se assemelha mais ao comportamento de um prisioneiro do que de uma princesa.

Emma Beddington, do jornal britânico The Guardian, classificou como "emético" e "perturbador". E, ainda assim, o tratamento de princesa está repercutindo, principalmente nos EUA.

Por que o tratamento de princesa está repercutindo

"Em uma época em que os relacionamentos podem parecer transacionais e muitas vezes confusos, o romance à moda antiga parece especial", diz Myka Meier, uma das maiores influenciadoras de etiqueta do Instagram.

Para Meier, que tem mais de 650 mil seguidores no Instagram, o tratamento de princesa tem menos a ver com materialismo, e mais com atenção emocional.

"A fantasia de ser 'arrebatada' se baseia em um desejo universal de requinte, respeito e intencionalidade", explica Meier à BBC.

Com o lançamento de um novo filme de "Downton Abbey" previsto para setembro, e a heroína da nova série de Lena Dunham na Netflix, "Too Much", fantasiando sobre ser cortejada por um pretendente no estilo do Mr. Darcy, não há como negar o interesse atual por representações de romance à moda antiga da alta sociedade.

As séries já citadas "Bridgerton", "Os Bucaneiros" e "A Idade Dourada", sem contar "The Crown", reacenderam o interesse pelo flerte de antigamente, e tornaram uma versão romantizada do cortejo histórico da alta sociedade acessível ao público de streaming.

Esses dramas de época influenciaram "completamente" as questões de etiqueta de namoro dos espectadores, diz o especialista em etiqueta Daniel Post Senning, autor do livro "Manners in a Digital World" ("Boas maneiras em um mundo digital", em tradução livre). "Nossas histórias influenciam a maneira como interpretamos nossas emoções", diz Senning, que é tataraneto da autora americana de boas maneiras Emily Post.

Como os EUA se apaixonaram por contos de fadas

Apesar de terem se libertado da condição de súditos há quase 250 anos, os americanos sempre foram fascinados pela realeza. Quando a rainha Victoria foi coroada em 1837, a "febre Victoria" tomou conta dos EUA; as mulheres americanas queriam saber tudo sobre ela - até sobre suas botas Chelsea, conta Arianne Chernock, professora de história da Universidade de Boston.

Em meados do século 20, a animação Cinderela, da Disney, e a coroação televisionada da rainha Elizabeth 2ª ajudaram a popularizar ainda mais as mulheres da realeza.

E hoje? "Os americanos estão interessados [na realeza] nos séculos 20 e 21 porque os americanos se tornaram atores dentro da família real", diz Chernock à BBC.

Em 1936, Wallis Simpson —uma socialite divorciada nascida na Pensilvânia— foi o centro de uma crise constitucional quando o rei Edward 8° abdicou para se casar com ela. Décadas mais tarde, o casamento do príncipe Harry com Meghan Markle, natural da Califórnia (agora duquesa de Sussex), reacendeu o interesse nos EUA.

E, de acordo com Chernock, a princesa Diana, embora britânica, se tornou "a princesa do povo" do outro lado do Atlântico por seu trabalho humanitário e celebridade.

"Diana tinha um grande número de admiradores nos EUA", acrescenta Chernock. "Na verdade, ela até cogitou se mudar para os EUA, porque sempre sentiu mais apoio aqui."

Segundo ela, muitos americanos são fascinados pela realeza justamente porque não pertence a eles. A monarquia paira acima das disputas políticas nos EUA como uma fantasia.

"As rainhas e princesas proporcionam essa fusão entre o privado e o público que não está disponível para as mulheres nos EUA, com uma seriedade e um papel político que não é comparável às nossas celebridades americanas", diz ela.

À medida que o mundo migrou para a mídia online e as plataformas de redes sociais, cresceu o fascínio do público pela vida dos ricos e da realeza (tanto como figuras reais quanto como personagens fictícios).

No entanto, embora as representações fictícias e as influenciadoras de redes sociais se concentrem na opulência e na comodidade, as princesas da vida real também têm um tremendo soft power, o que permite a elas serem protagonistas importantes quando se trata de diplomacia.

"Ser princesa dá muito trabalho", argumenta Chernock.

Empoderamento ou regressão rebatizada?

Tratamento de princesa é, portanto, um termo um tanto equivocado. Em vez de descrever o estilo de vida de uma princesa, parece ser a interpretação que as redes sociais fazem do cavalheirismo, diz Senning.

Em seu contexto medieval original, o cavalheirismo vem de sistema de cavalaria com um código de conduta.

Mas na história moderna, o cavalheirismo remete ao comportamento tradicional e cortês dos homens em relação às mulheres, o que alguns acadêmicos dizem ser um reforço dos papéis tradicionais de gênero e uma manifestação do "patriarcado benevolente".

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Por outro lado, diz Meier, atos simples, como puxar uma cadeira ou acompanhar alguém até a casa, podem deixar claro seu cuidado com o parceiro ou pretendente. "A formalidade desacelera um pouco as coisas, dá espaço para a apreciação e acrescenta uma pequena camada de magia", ela argumenta.

Será que é inofensivo o suficiente, então? O surgimento do tratamento de princesa despertou um novo debate, mas Chernock diz que a discussão não é nova. Há muito tempo a sociedade usa o tema da princesa para explorar ideias de feminilidade e propriedade.

"[O debate sobre o tratamento de princesa] é um referendo sobre o papel da mulher na sociedade, e nunca haverá uma perspectiva única sobre isso", diz ela.

O debate é o mais recente de uma série de discursos de relacionamento altamente marcados pelo gênero, e segue os passos da onda das chamadas trad wives, esposas tradicionais, do verão passado.

As esposas tradicionais, ou mulheres que adotam e promovem os papéis tradicionais de gênero, cativaram seus seguidores com retratos nostálgicos (geralmente loiros e bucólicos) da vida doméstica.

O apelo semelhante à nostalgia do tratamento de princesa despertou uma discussão sobre poder. Por que se contentar com a tiara quando você pode exigir o "tratamento de rainha"?

Talvez, para aquelas com inclinação para a vida de esposa tradicional, o que atrai seja a passividade implícita do papel de princesa. O título de rainha tem uma conotação "carregada e política", sugere Chernock, enquanto a princesa é retratada pelas lentes cor-de-rosa da juventude, do romance e da fantasia da Disney.

E embora o tratamento de princesa possa parecer uma reformulação de papéis de gênero retrógrados, Chernock ressalta que, em certo nível, o apelo das princesas emerge da sua força.

"Quando as meninas brincam de princesa, estão buscando permissão para comandar", diz ela.

Ou talvez elas não precisem de permissão. Afinal de contas, se são as mulheres que estão postando sobre o tratamento de princesa, não são elas que estão no comando?

Este texto foi publicado originalmente em inglês no site da BBC Culture

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