O Poder Executivo acusa o Legislativo de gastar muito com emendas e rejeitar medidas de ajuste fiscal. O Legislativo diz que o Executivo só sabe gastar e taxar.
Discursos enfáticos não impedem, contudo, acordos que satisfaçam os desejos de ambos.
Deve ser aprovada, na próxima semana, a PEC 66/2023: um pacotão de leniência, que demonstra que não há autoridade ou instituição com incentivos a colocar freio na insensatez fiscal.
A PEC impõe limite anual ao pagamento de precatórios de estados e municípios. O que não couber no limite, terá o pagamento postergado. Incluem-se até precatórios que já estavam parcelados para pagamento até 2029, e que agora ficam com prazo de quitação em aberto.
Parcelamento sem definição de prazo para quitação já foi considerado inconstitucional pelo STF (Supremo Tribunal Federal), em ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) contra a Emenda 62/2009. Mas a experiência mostra que, mesmo com nova declaração de inconstitucionalidade, virá uma modulação de efeitos que validará o parcelamento por muitos anos.
Este será o sétimo parcelamento de precatórios desde a promulgação da Constituição, e a décima emenda constitucional a tratar do tema. Fica claro que são vazias as juras de que será a última vez, e de que quem não respeitar será punido com corte de transferências voluntárias, processo por crime de responsabilidade, etc. É simbólico que, pela primeira vez, o parcelamento constará do texto principal da Constituição, e não das disposições transitórias.
Também serão parceladas em 25 anos, a juros camaradas, as dívidas de estados e municípios com seus regimes próprios de previdência e dos municípios e consórcios municipais com o combalido RGPS (Regime Geral de Previdência Social).
Folha Mercado
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Os municípios ganham um refinanciamento de sua dívida, nos mesmos moldes já aprovados para os estados, com alto custo para a União.
Repete-se a tática, já usada em emendas anteriores, de "autorizar" os bancos públicos a darem empréstimo para estados e municípios pagarem precatórios. Até hoje a União resistiu, mas quem sabe dessa vez a coisa vai?
A parte benéfica ao Executivo começa com a desvinculação de recursos presos em fundos públicos, para que sejam direcionados ao BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) como funding para empréstimos subsidiados. Há dois impactos fiscais negativos: esse dinheiro poderia ser usado para quitar dívida pública, e os empréstimos que financiará serão subsidiados pelo Tesouro.
Também atende ao Executivo a reclassificação de juros e correção monetária dos precatórios como despesa financeira. Assunto de normativo contábil vai parar na Constituição, para atender interesse momentâneo: abrir espaço no arcabouço fiscal, pois despesa financeira está fora do limite.
A boa prática em caso de reclassificação de despesas, adotada desde o teto de gastos, é recalcular o limite. Por exemplo, se em 2023, data base do arcabouço, o limite de gastos era 100 e os gastos com juros e correção de precatórios, 2, o limite de 2023 é recalculado para 98 e trazido para 2025 pelas regras de correção. Isso restringe o espaço aberto pela manobra. Se não for adotado esse procedimento, será mais um gol de mão.
A versão da PEC aprovada no Senado continha uma boa medida: estados e municípios ficariam obrigados a adotar os parâmetros da reforma previdenciária da União. Mas a Câmara a considerou inconstitucional, a pretexto de desrespeitar a autonomia federativa dos entes. O que faltou de rigor na análise da constitucionalidade dos parcelamentos de precatórios, sobrou no caso dessa medida mais austera.
País que vive como se não houvesse amanhã, não tem um bom amanhã.