Por que a população de Gaza não está recebendo a ajuda de que tanto precisa

16 horas atrás 3

Depois de mais de 21 meses de guerra e destruição, os habitantes da Faixa de Gaza estão morrendo de fome e precisam desesperadamente de ajuda básica, mas os esforços para fazer a ajuda chegar enfrentam diversos obstáculos.

As agências da ONU e as organizações humanitárias denunciam as restrições impostas por Israel para a entrega de suprimentos (que Tel Aviv afirma serem necessárias para evitar o roubo de comida pelo Hamas) e dizem não ser possível trabalhar com segurança no território, que é constantemente bombardeado pelas Forças Armadas israelenses. Criticam ainda a implementação de um mecanismo patrocinado pelos Estados Unidos e por Israel que ignora o sistema humanitário tradicional.

Mais de cem ONGs alertaram esta semana para o risco de uma crise ainda maior no território palestino. De acordo com o Ministério de Saúde de Gaza, nove pessoas morreram de fome entre quinta (24) e sexta-feira (25), elevando o total de mortos de inanição desde o início da guerra para 122.

Já o Programa Mundial de Alimentos da ONU diz que um terço dos habitantes de Gaza, cerca de 700 mil pessoas, não comem há três dias. "A desnutrição está aumentando consideravelmente, com 90 mil mulheres e crianças que necessitam de tratamento urgente", disse o órgão das Nações Unidas.

O secretário-geral da ONU, o português António Guterres, criticou a comunidade internacional nesta sexta por ignorar o sofrimento dos palestinos que morrem de fome em Gaza e denunciou uma "crise moral que desafia a consciência global".

"Não consigo explicar o nível de indiferença e inação que vemos em tantos atores na comunidade internacional: a falta de compaixão, a falta de verdade, a falta de humanidade", disse Guterres durante um discurso na assembleia da Anistia Internacional.

"As crianças dizem que querem ir para o paraíso porque, pelo menos, dizem, há comida lá", acrescentou o secretário-geral.

Na sexta, Alemanha, França e Reino Unido divulgaram um comunicado conjunto pedindo, mais uma vez, a entrada de ajuda humanitária em Gaza. "Pedimos ao governo israelense que suspenda imediatamente as restrições à distribuição de ajuda e permita urgentemente que a ONU e as ONGs humanitárias realizem seu trabalho de combate à fome", disseram os países aliados de Israel.

Um membro do governo israelense ouvido pela agência de notícias AFP disse que Tel Aviv estuda retomar entregas de suprimentos pelo ar —uma ação que já foi tentada no passado, sem sucesso, e que especialista dizem não ser eficaz como a entrada massiva de caminhões por pontos de acesso terrestres.

FHG : quatro pontos de distribuição e muitas mortes

A Fundação Humanitária de Gaza (FHG), designada por Israel para distribuir ajuda na Faixa de Gaza, iniciou suas operações em 26 de maio, após mais de dois meses de bloqueio completo que esgotou os estoques de comida no território palestino.

A FHG tornou-se o principal canal de distribuição de ajuda alimentar para os mais de dois milhões de habitantes de Gaza —em parte porque outras organizações, incluindo a ONU, se recusam a trabalhar com ela sob as novas restrições israelenses, dizendo que elas colocam palestinos em perigo e que foi concebida para servir a objetivos militares de Israel. As operações da FHG têm sido marcadas por cenas caóticas e sangrentas em torno dos escassos pontos de distribuição.

"Não é uma organização humanitária. A ajuda humanitária não é distribuída em zonas completamente arrasadas e militarizadas", declara à AFP Arwa Damon, fundadora da ONG americana Inara, que oferece apoio médico e psicológico a crianças.

Damon explica que os pontos de distribuição da FHG estão situados em dois corredores militares no sul e no centro de Gaza. Nem se compara à rede humanitária anterior, que contava com mais de 400 pontos de distribuição em toda a faixa costeira.

A escassez de pontos de distribuição, apenas quatro, obriga que civis desesperados se aglomerem para obter comida. E os incidentes mortais têm sido muito numerosos.

Segundo a ONU, as forças israelenses mataram desde o final de maio cerca de 800 palestinos enquanto eles se dirigiam para buscar ajuda nos pontos de distribuição da FHG.

Israel se recusa a restaurar o antigo sistema humanitário da ONU, argumentando que o Hamas se aproveitava dele para confiscar a ajuda dos caminhões e revendê-la em seguida, algo que a facção terrorista nega.

As ONGs, ignoradas

As ONGs internacionais afirmam que há enormes quantidades de ajuda bloqueada fora de Gaza, aguardando autorização do Exército israelense para entrar.

Uma vez em Gaza, também é fundamental coordenar-se com o Exército, que não deixa de bombardear o território.

Arwa Damon sustenta que Israel impede a entrega da ajuda ao não coordenar com as ONGs uma passagem segura para os carregamentos.

"É incrivelmente difícil conseguir essa coordenação", disse à AFP. "Sem falar na falta de vontade de Israel em facilitar às ONGs rotas seguras", acrescenta.

Arriscar a vida por um saco de farinha

Israel controla tudo o que entra na Faixa de Gaza. O Cogat, o organismo do Ministério da Defesa responsável por assuntos civis nos territórios palestinos, nega, no entanto, ter limitado o número de caminhões de ajuda humanitária.

Nesta quinta-feira, o Cogat informou que "cerca de 70 caminhões com alimentos haviam sido descarregados nos pontos de passagem, e mais de 150 haviam sido recuperados pela ONU em Gaza".

Mais de 800 caminhões ainda aguardam, e o Exército israelense divulgou até mesmo imagens mostrando centenas desses veículos imobilizados dentro da Faixa.

As agências da ONU e as ONGs internacionais rejeitam a afirmação israelense de que supostamente carecem de capacidade logística, e recordam que, no passado, distribuíram ajuda de forma eficaz —em particular durante a última trégua entre Israel e Hamas, de janeiro a março.

Em Khan Yunis, no sul do território, um morador, Yusef Abu Shehla, declarou nesta semana que arriscou sua vida para conseguir um saco de farinha para sua família.

"Alimentaremos nossos filhos, mesmo que nos custe a vida", disse à AFP.

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