Além do Brasil, o Enem também pode ser usado como uma alternativa de acesso à universidade fora do país. Portugal lidera a lista de destinos que aceitam a nota do exame como critério de ingresso, ampliando as possibilidades para estudantes brasileiros que sonham em estudar no exterior.
Natural de Curitiba, Lara Goulart, 21, sempre teve o sonho de estudar no exterior, especialmente após acompanhar a experiência da irmã, que cursou o ensino médio nos Estados Unidos.
Ela decidiu ir para Portugal após conhecer a história de uma amiga que havia ingressado em uma universidade do pais utilizando a nota do Enem.
Desde 2014, um acordo firmado entre o Inep —órgão responsável pelo Enem— e instituições portuguesas facilita a entrada de estudantes brasileiros, permitindo que a nota obtida no exame seja usada diretamente na candidatura a diversas universidades do país europeu.
Segundo o Inep, atualmente 23 universidades portuguesas estão formalmente no convênio. Outras instituições, mesmo sem acordo formal, também aceitam a nota do exame, seguindo critérios próprios.
A primeira entidade a assinar o acordo foi a Universidade de Coimbra, em 2014. Segundo Cristina Albuquerque, vice-reitora de ensino da instituição, 2.781 estudantes brasileiros fizeram a matrícula na faculdade com a nota do Enem desde então.
Quando decidiu estudar em Portugal, Lara sabia pouco sobre o processo de ingresso. Ela conta que a escolha pelo curso e pela cidade foi construída aos poucos.
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Com o apoio da mãe, ela foi eliminando opções até encontrar uma que combinasse com o seu perfil. "Eu me identifiquei muito com a grade do curso [de ciências da comunicação, na Universidade do Algarve]."
Para usar o Enem no processo seletivo, a curitibana lembra que só bastou tirar um print da tela das notas e enviar para a universidade.
Portugal atrai estudantes brasileiros por oferecer um processo simples e menos complexo do que outros países, além da facilidade do idioma.
Para concorrer a vagas, os candidatos não podem ter nacionalidade de nenhum país da União Europeia nem ter residido legalmente em Portugal por mais de dois anos consecutivos.
A classificação adotada na seleção é geralmente na escala portuguesa de 0 a 200, o que significa que a nota do Enem, com escala de 0 a 1.000, é dividida por cinco. E, em algumas instituições, áreas específicas do conhecimento têm peso maior na avaliação.
Além da escolha do curso e da universidade, quem quer estudar no exterior deve estar pronto para lidar com mudanças emocionais, responsabilidades do dia a dia e, principalmente, com os custos envolvidos.
Beatriz Alvarenga, uma das responsáveis pelos programas de ensino no exterior da Fundação Estudar, afirma que a desvalorização do real em relação ao euro torna o câmbio um fator determinante no orçamento, o que reforça a necessidade de uma organização financeira.
Os custos das mensalidades —chamadas de propinas em Portugal— variam conforme o curso e a instituição, sendo muitas vezes mais acessíveis do que em instituições particulares no Brasil.
Um exemplo é o curso de direito da Universidade de Lisboa. O valor anual é de 1.500 euros, aproximadamente R$ 10.261 na cotação atual. Esse valor pode ser parcelado em até dez vezes de cerca de R$ 1.026, tornando a formação atrativa para muitos candidatos brasileiros.
Eduardo Vera-Cruz, diretor da Faculdade de Direito da instituição, ressalta que estudantes brasileiros pagavam as mesmas mensalidades exigidas de alunos vindos de países com moedas fortes. Em resposta, a instituição reduziu pela metade o valor cobrado, que passou de 3.000 para 1.500 euros.
"Temos plena consciência de que, em muitos casos, a desvalorização monetária nos países de origem dificulta a concretização das opções acadêmicas, sobretudo quando chegam em choque com o euro", afirma Vera-Cruz à Folha.
Nos últimos anos, Portugal tem registrado alta no custo de vida, especialmente em cidades como Lisboa e Porto.
Para viabilizar o plano de morar no exterior, Lara conta que vendeu tudo o que tinha no quarto, incluindo cem livros, ficando apenas com três, que levou na mala. Também fez rifas, contou com o apoio da família e passou a trabalhar. "Gastava 150 reais por mês e já ficava, ‘meu Deus, você não vai ter dinheiro em Portugal’."
Os brasileiros formam a maior comunidade de estudantes internacionais em grande parte das universidades portuguesas. Segundo dados do Ministério da Educação, cerca de 19 mil estudantes do Brasil estão matriculados atualmente em instituições de Portugal.
Atualmente, dos 35.757 alunos matriculados na Universidade do Porto, 2.675 são brasileiros —em torno de 7,5% do total. A cada ano, cerca de 500 estudantes do Brasil ingressam nos cursos de graduação da universidade usando o Enem.
Maria Joana Carvalho, vice-reitora de internacionalização da Universidade do Porto, afirma que a regulamentação da parceria entre o Inep e instituições criou "condições adequadas para atrair cada vez mais estudantes para a universidade".
Para a docente, a presença de estrangeiros é importante para o ambiente acadêmico. Ela diz que os brasileiros costumam participar das atividades de acolhimento.
Apesar disso, a adaptação é uma das etapas mais desafiadoras, especialmente para os mais jovens. E mesmo falando o mesmo idioma, as variações de cada país não deixam de causar estranhamento.
"Eu não entendia o que eles falavam [por causa do sotaque]. Passava a aula inteira olhando para a boca do meu professor, porque, se eu parasse, não ia entender o que ele estava falando. Mas isso só foi até eu me acostumar", explica Lara.
Além dos desafios da adaptação, estudantes brasileiros em Portugal enfrentam questões mais difíceis, como a crescente xenofobia. O aumento da presença brasileira tem gerado episódios de discriminação e preconceito.
Em entrevista à Folha em novembro de 2024, o primeiro-ministro de Portugal, Luís Montenegro, disse que "qualquer relato de xenofobia é preocupante" e afirmou que o combate à discriminação uma prioridade do seu governo. Segundo ele, o objetivo é "fortalecer as políticas de integração e melhorar a transparência e rapidez nas respostas às denúncias de discriminação".
Após três anos de estudos, Lara se formou em ciências da comunicação em maio deste ano. Atualmente, trabalha na área de formação e compartilha nas redes sociais suas experiências no país.
Ela afirma que vê seu futuro ainda em Portugal, mas não de forma definitiva. "Valeu muito a pena. Sinto que cresci mais aqui do que teria crescido em três anos no Brasil. Minha vida hoje em dia está 100% aqui, mas não penso em morar aqui para sempre, porque acho que o país não paga tão bem [em relação ao trabalho]."
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