Autoridades que acompanham os preparativos para a implementação da lei antidesmatamento da União Europeia dizem acreditar que a norma, que começa a ser aplicada a partir de dezembro, deve ter uma alta tolerância por parte das autoridades do continente.
Chefes de organizações afirmam que um novo adiamento é pouco provável, mas que a fiscalização será flexível. Inicialmente, a norma –que proíbe a importação de produtos como café, cacau, soja e carne bovina que tenham sido produzidos em áreas desmatadas– começaria a valer a partir de 30 de dezembro de 2024, mas foi postergada por um ano para as grandes empresas e por um ano e meio para as pequenas.
Segundo negociadores ouvidos pela reportagem, faltam interesse e capacidade por parte das autoridades europeias para fiscalizar minuciosamente a aplicação da lei.
Alguns fatores explicam isso. Um deles diz respeito à mudança na composição do Parlamento Europeu, que deu uma guinada à direita após as eleições do ano passado.
Os parlamentares que agora discutem como implementar o regulamento são diferentes daqueles que criaram e validaram a lei. Esses novos parlamentares são, em grande parte, contrários ao regulamento. Mas, como não podem anular a lei, que já foi aprovada pela composição anterior, eles votam contra os sub-atos que detalham sua implementação, diz Hannelore Beerlandt, chefe de operações da Organização Internacional do Café.
Ela afirma que há mais do que uma falta de interesse em implementar a lei. "É um grande interesse em não implementar", diz.
A própria presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, tem feito acenos contrários à agenda ambiental.
Beerlandt, que esteve no Brasil no início de julho para participar do Coffee Dinner & Summit, conhece bem os bastidores de Bruxelas. Ela prestou consultoria durante anos para a Comissão Europeia e atuou na força-tarefa público-privada do café, contratada pela Comissão, a fim de analisar especificamente como seria implementada a norma antidesmatamento no setor cafeeiro.
A falta de interesse não se restringe ao Parlamento Europeu. A maioria dos países-membros são contrários à implementação da lei, pois ela também se aplica às suas próprias exportações. Por isso, eles temem perder competitividade.
Em carta à Comissão Europeia, 18 dos 27 membros da União Europeia exigiram mais mudanças na norma, em uma demonstração pública e coletiva do descontentamento dos próprios países europeus com a lei.
Beerlandt diz ter certeza de que os países-membros vão mentir nos seus relatórios de fiscalização. Isso porque os Estados devem comunicar à Comissão Europeia quantas inspeções fizeram. Então o país pode informar que efetuou mais operações do que efetivamente o fez, e a Comissão, sem estrutura para averiguar, aceitaria as alegações dos países, o que levaria a um cenário de aplicação de faz de conta, uma lei para inglês ver.
Marcos Matos, diretor-geral do Cecafé (Conselho dos Exportadores de Café do Brasil), também diz acreditar em uma flexibilização. Ele afirma que, dadas as condições, é provável que haja uma "simplificação de possibilidades de checagem" e que "isso está muito claro pela falta de estrutura das autoridades competentes".
A falta de estrutura e recursos decorre, entre outros motivos, dos cortes de gastos que os países fizeram em várias áreas a fim de aumentar os investimentos em Defesa.
Essa falta de estrutura pode levar a diferentes cenários, explica Beerlandt. "Pode significar que eles só vão verificar o sistema corporativo. Ou seja, você tem um bom sistema, explica o seu sistema e eles não conferem. Pode também ser que eles verifiquem o desmatamento, mas não para todos os países", afirma.
Enquanto isso, grupos de influência já atuam para tornar a norma mais simples e branda em 2028, quando está prevista uma revisão da lei.
ENTENDA A LEI
O Regulamento para Produtos Livres de Desmatamento da União Europeia (EUDR) é uma norma aprovada pelo Parlamento Europeu que proíbe a importação de produtos provenientes de áreas desmatadas após dezembro de 2020.
A lei incide não apenas sobre café, mas também sobre outros produtos, como soja, madeira, cacau, óleo de palma, carne bovina e borracha.
Ela exige evidências de que de fato não houve desmatamento naquela propriedade nos últimos anos e prevê elevadas multas para as empresas que não conseguirem se adequar à lei.
Colunas e Blogs
Receba no seu email uma seleção de colunas e blogs da Folha