A Síria retirou suas tropas da província de Sweida nesta quinta-feira (17), após quatro dias de conflito nesse reduto druso no sul do país deixarem centenas de mortos. Segundo o presidente Ahmed al-Sharaa, o recuo tenta evitar uma guerra com Israel, que bombardeou Damasco na véspera sob a justificativa de proteger a minoria.
Em um discurso televisionado durante a madrugada, o líder islamita afirmou que deu "prioridade ao interesse dos sírios, em vez do caos e da destruição", evitando "uma nova guerra de grande alcance". Apesar da concessão, ele acusou Israel de buscar "desmantelar a unidade" de seu povo. "Tel Aviv constantemente visou nossa estabilidade e criou discórdia entre nós desde a queda do regime anterior", afirmou.
Segundo o presidente sírio, agora "as facções locais e os xeques drusos" assumirão a responsabilidade pela segurança em Sweida. A minoria, cuja religião deriva do islamismo xiita, é uma importante minoria do Oriente Médio —antes da guerra civil síria, iniciada em 2011, havia 700 mil drusos no país.
Sharaa enfrenta desconfiança do Ocidente e especialmente de Israel desde que assumiu o poder após a queda do ditador Bashar al-Assad, em dezembro. Ex-membro de um grupo ligado ao Estado Islâmico e à Al Qaeda, ele tenta minimizar o seu passado jihadista e promete proteger as minorias da Síria, formada por um complexo mosaico de etnias, religiões e grupos armados remanescentes de 14 anos de guerra civil.
Lá Fora
Receba no seu email uma seleção semanal com o que de mais importante aconteceu no mundo
Durante o comunicado, por exemplo, ele disse que proteger os cidadãos drusos e seus direitos era uma prioridade, rejeitou qualquer tentativa de arrastá-los para o controle de uma "parte externa" e disse que vai exigir uma prestação de contas pelas agressões contra o grupo, "que está sob a proteção e responsabilidade do Estado".
Os últimos acontecimentos envolvendo os drusos, porém, colocam a garantia em xeque. Com a retirada das tropas, os moradores, antes escondidos em suas casas, saíram às ruas e encontraram um cenário de destruição.
Um fotógrafo da agência de notícias AFP disse ter visto 15 corpos no centro da cidade de Sweida, na província de mesmo nome, sem conseguir verificar se eram civis ou combatentes. Já um jornalista local, Ryan Marouf, da Suwayda24, disse à Reuters que contou mais de 60 cadáveres, incluindo os de uma família de 12 pessoas em uma casa. "As pessoas estão procurando por corpos", disse.
A crise começou no domingo, quando o sequestro de um comerciante druso por combatentes beduínos desencadeou uma onda de violência na região. Um dia depois, o governo sírio enviou forças militares para o sul para conter o conflito, o que agravou a situação —profundamente desconfiados das autoridades, os líderes das milícias drusas pensaram que as tropas iriam atacá-los e se mobilizaram.
"O Estado sírio interveio para acabar com os confrontos entre os grupos armados de Sweida e as regiões vizinhas", afirmou Sharaa em seu comunicado desta quinta.
Fato é que os confrontos causaram centenas de mortes. Os números variam, mas o Observatório Sírio para os Direitos Humanos, uma ONG com sede no Reino Unido, afirmou que mais de 370 pessoas foram mortas. Já a Rede Síria para os Direitos Humanos disse ter documentado 193 mortos em quatro dias de combates, entre eles médicos, mulheres e crianças.
Desde o fim de semana, abundam relatos de possíveis violações na região.
Um repórter da Reuters, por exemplo, viu combatentes do governo saquearem e incendiarem casas durante, inclusive pouco antes de deixarem Sweida, durante a noite. Os combatentes também rasparam os bigodes de alguns drusos, usados por muitos homens do grupo como um símbolo de identidade religiosa e cultural com significado espiritual.
O Observatório Sírio para os Direitos Humanos mencionou mais de 27 civis vítimas de "execuções sumárias" pelas forças de segurança. O chefe da Rede Síria para os Direitos Humanos, Fadel Abdulghany, também falou à Reuters em execuções sumárias de ambos os lados, além de sírios mortos por ataques israelenses.
Embora justifique suas ações com a proteção à minoria drusa, Israel é hostil a qualquer presença militar perto de sua fronteira com a Síria, região onde ficam as Colinas de Golã, território sírio controlado por Tel Aviv desde a Guerra dos Seis Dias, em 1967.
Nesta quarta (16), no terceiro dia consecutivo de ataques ao país vizinho, Tel Aviv bombardeou os arredores do Palácio Presidencial, em Damasco, e o Ministério da Defesa, destruindo parte do prédio e matando ao menos cinco funcionários, segundo um profissional de saúde que falou com a Reuters. "Não permitiremos que o sul da Síria se torne um reduto do terror", disse o chefe do Estado-Maior militar de Israel, Eyal Zamir.
Os ataques dificultaram os esforços da Síria para encontrar e destruir arsenais de armas químicas acumulados durante o regime de Assad, disse Ibrahim Olabi, um assessor do governo, nesta quinta. Uma visita de inspetores da OPAQ (Organização para a Proibição de Armas Químicas) já teve que ser adiada, afirmou ele.
A comunidade internacional reprovou a ofensiva —duas pessoas familiarizadas com o assunto falaram à Reuters que um comboio blindado com diplomatas ocidentais passava perto do Ministério da Defesa quando Israel atingiu o prédio com mísseis.
Nesta quinta, após ONU e União Europeia se manifestarem, a Rússia, aliada de Assad, se disse preocupada com a onda de violência no sul e condenou os bombardeios israelenses.
"Esses ataques, que constituem uma grave violação da soberania do país e do direito internacional, merecem forte condenação", afirmou o Ministério das Relações Exteriores de Moscou. "Estamos convencidos de que o caminho para a solução deste problema passa pelo diálogo e pelo fortalecimento da unidade nacional."
Sharaa creditou a mediação árabe, turca e americana por salvar a região "de um destino incerto". Na quarta, o secretário de Estado dos Estados Unidos, Marco Rubio, anunciou que os dois lados haviam concordado em acabar com "essa situação preocupante e horrível". Embora seja o principal aliado de Israel, Washington também busca uma aproximação com as novas autoridades sírias —em maio, o presidente americano, Donald Trump, se reuniu com seu homólogo de Damasco.