A aposta do governo Tarcísio de Freitas (Republicanos) no uso de plataformas digitais não melhorou o desempenho das escolas estaduais no Saresp (Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar de São Paulo) no ensino médio, segundo um estudo feito pela Repu (Rede Escola Pública e Universidade), que reúne pesquisadores de universidades paulistas.
Com dados da própria Secretaria Estadual de Educação, os pesquisadores identificaram que, mesmo as escolas que atingiram as metas de uso das plataformas estipuladas pelo governo não registraram melhora na avaliação.
Em nota, a pasta afirma ser prematuro estabelecer correlações do uso das plataformas com os resultados do Saresp (avaliação estadual), sob a alegação de que essas ferramentas passaram a ser usadas apenas no segundo semestre de 2023.
Em agosto daquele ano, no entanto, a Folha mostrou que o secretário de educação, o empresário Renato Feder, já havia determinado que as escolas estaduais usassem ao menos sete plataformas educacionais. Atualmente, são 31 e para cada uma delas, a secretaria define metas de uso a serem alcançadas a cada bimestre.
Segundo o estudo, o governo gastou no ano passado ao menos R$ 471 milhões com a política, além de continuar ampliando o número de ferramentas digitais que precisam ser usadas em sala de aula e estabeleceu penalidades para os educadores que não as utilizam.
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Com os índices de uso de cada plataforma, os pesquisadores criaram um indicador para cada escola e, então, compararam com os resultados obtidos por elas no Saresp de 2023 e 2024. Eles identificaram que a maior ou menor frequência de uso dessas ferramentas não interferiu nos resultados da avaliação.
Entre as escolas com melhora na nota, as que tiveram índice de uso das plataformas considerado baixo têm 334.522 alunos matriculados. Já as que tiveram melhora na nota e índice de uso alto, têm 321.824 alunos.
"A secretaria monitora as escolas, bimestre a bimestre, com uma série de metas que foram impostas, mas não há nenhuma evidência de que o uso das plataformas impacta positivamente nos resultados do Saresp", diz Andreza Barbosa, professora da PUC-Campinas e uma das responsáveis pelo estudo.
Também foi identificado que a maioria das unidades não têm conseguido alcançar as metas de uso das plataformas exigidos pela secretaria. Para os pesquisadores, isso indica que a política desconsidera a realidade das escolas estaduais.
"Foram estabelecidas inúmeras métricas a serem alcançadas sem nenhuma base científica. Ainda assim, a secretaria monitora e controla bimestre a bimestre o uso dessas plataformas, colocando uma enorme pressão nas escolas para que atinjam essas metas sem que elas sequer saibam como foram calculadas e para que servem", diz Leonardo Crochik, professor do IFSP ( Instituto Federal de São Paulo) e pesquisador da Repu.
Em janeiro de 2024, a secretaria publicou uma resolução em que estabeleceu dois critérios para avaliar o desempenho dos diretores escolares: os indicadores de utilização das plataformas e as notas obtidas em avaliações externas, como o Saresp.
Diretores que tiveram uma avaliação considerada ruim podem ser removidos para outra unidade, designados para outra função ou obrigados a fazer um curso de capacitação.
Sindicatos da categoria reclamam de que dezenas de diretores têm sido afastados dos cargos em razão dessa avaliação. Os pesquisadores da Repu dizem que cerca de 100 profissionais foram afastados da direção das escolas (são 3.300 na rede) —oficialmente, a secretaria publicou a punição por desempenho insatisfatório de 20 profissionais.
Das 31 plataformas adotadas pelo governo Tarcísio, 10 têm a função de "controle do trabalho pedagógico docente" —como, por exemplo, o registro de frequência dos alunos e para que o professor informe qual aula digital lecionou no dia. Outras seis são de apoio à gestão escolar, por exemplo, para registro de brigas entre alunos ou para monitorar o uso das plataformas pelos professores.
Outras 14 são de conteúdo didático e devem ser usadas pelos alunos para fazer redação, exercícios de matemática e até mesmo ler livros. "São metas apenas de realização das tarefas, sem se importar se os alunos estão errando ou acertando. Na prática, muitos estudantes apenas entram para ter o registro, sem de fato fazerem a atividade", diz Crochik.
Em nota, a Secretaria de Educação diz que o investimento nas plataformas faz parte de um processo de modernização da rede estadual. "Análises preliminares indicam que as escolas que integram os recursos digitais à rotina pedagógica com intencionalidade, planejamento e acompanhamento constante tendem a apresentar melhores níveis de engajamento e avanços no processo de ensino-aprendizagem ao longo do tempo", afirma a pasta, sem detalhar os dados.
Também defendeu que ainda é cedo para fazer relação do uso das plataformas com avaliações externas. "Ainda é prematuro estabelecer correlações diretas e isoladas com os resultados do Saresp, uma vez que a implantação das plataformas teve início apenas no segundo semestre de 2023. Avaliar impactos educacionais requer ciclos pedagógicos completos e metodologias consistentes de acompanhamento", diz a nota.
Sobre o afastamento dos diretores pelo não cumprimento das metas, a secretaria não informou o número de profissionais punidos. Disse que ocorreram "situações pontuais de substituição na gestão escolar" por um conjunto de fatores.
Em relação ao valor gasto com as plataformas, a a pasta disse que reafirma seu "compromisso com o uso responsável dos recursos públicos" e que os investimentos em tecnologia são "constantemente avaliados com base em evidências".