Visão reducionista do DNA leva a imaginar 'homúnculo molecular'

3 semanas atrás 12

Fazia tempo que eu não levava uma surra de um livro, no bom sentido: aquela leitura lenta porque exige um grau de atenção fora do comum para a complexidade e a importância das ideias apresentadas, sem que isso tire a possibilidade de degustar o texto com prazer. Estou quase terminando "How Life Works", do jornalista de ciência britânico Philip Ball, o que significa que vou gastar pelo menos mais uma semana no livro. E vale cada minuto. Eis um livro que eu gostaria de ter escrito, senhoras e senhores.

É bem provável que eu precise de uns dois ou três posts aqui no blog para dar uma ideia do conteúdo da obra de Ball de maneira a fazer jus ao que o livro mostra. Mas, para não perder a viagem e começar a conversa, deixo aqui um conceito interessantíssimo: o de homúnculo molecular (ilustrado, como vocês podem ver cá embaixo, com os homúnculos tradicionais mesmo).

Se a palavra não é familiar, acho que o desenho ilustra bem: "homúnculos" eram supostos seres humanos em miniatura, empacotados, por exemplo, no esperma, prontos para dar origem ao nosso corpo macroscópico, segundo se postulava no século 17. Segundo essa visão, toda a estrutura do organismo humano já estava pré-formada nesse momento; bastava fazê-la crescer mais e mais com o desenvolvimento. Daí o termo "pré-formacionismo" usado para designar essa ideia.

Pois bem: Ball, que é um crítico do alvoroço das últimas décadas em torno do genoma humano (e, claro, de outros seres vivos), diz que a grande tentação da biologia moderna, e mais ainda no que diz respeito aos leigos que têm contato superficial com ela, é pensar no DNA como um "homúnculo molecular".

Ou seja, a ideia é que o conteúdo "digital" do material genético (as "letras" químicas que contêm a receita para a produção de aminoácidos e diferentes formas de RNA, a prima molecular do DNA) tem uma correspondência exata, de um para um, com todas as características do organismo adulto.

No entanto, as coisas não funcionam assim nem de longe. E não apenas por causa da influência do ambiente sobre a ativação e desativação dos genes, mas também porque inúmeros processos do desenvolvimento não são controlados diretamente pela "receita" do DNA, mas dependem da interação de células, tecidos e órgãos entre si e com as leis da física, de forma probabilística, e não determinística.

Volto cá assim que terminar a leitura para mais comentários.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar sete acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

Read Entire Article