Quando estamos em um ambiente e, de repente, alguns olham para cima, quase ninguém resiste ao impulso de fazer o mesmo. É automático. O que será que está acontecendo? Alguém caiu? Um rato no teto? Fogo? Mesmo sem ser necessário, você acompanha e olha. No mercado financeiro, esse comportamento é ainda mais frequente — especialmente quando um ativo dispara.
Toda vez que um ativo sobe muito, o volume de perguntas que recebo sobre ele explode. "Michael, será que devo ter isso na carteira?". Nos últimos dias, o campeão absoluto dessa dúvida foi o Bitcoin, que voltou aos holofotes ao se aproximar dos US$120 mil. Mas, diferente do entusiasmo generalizado, minha resposta tem sido simples e direta: você não precisa ter Bitcoin.
Sim, sei que corro o risco de ser duramente criticado por essa afirmação. Afinal, é difícil nadar contra a maré quando o preço de um ativo dispara. Mas há uma diferença fundamental entre um ativo que sobe e um ativo que tem fundamentos sólidos. Como dizia Sócrates, "não é porque algo é aceito pela maioria que ele é verdadeiro". E o Bitcoin, por mais promissor que pareça, ainda é uma grande aposta.
Não me entenda mal: o Bitcoin pode, sim, se mostrar relevante no futuro. Mas, neste momento, ele ainda não passou pelos testes que consagram uma reserva de valor. Seu histórico é curto, sua volatilidade é altíssima e seu valor justo é de difícil estimação. Basta lembrar que o Bitcoin já caiu mais de 70% em pelo menos três ocasiões nos últimos dez anos. Isso é compatível com uma reserva estável?
Muitos citam modelos como Stock-to-Flow, custo de mineração ou o valor de rede, baseados na quantidade de usuários. Mas mesmo essas projeções costumam apontar para valores muito abaixo dos níveis atuais. E mais importante: nenhum desses modelos é amplamente aceito como referência robusta. O que temos é uma aposta com narrativa forte, mas fundamentos ainda frágeis.
Entre as comparações mais recorrentes, está a do Bitcoin com o ouro. Mas essa analogia é, no mínimo, apressada. O ouro é utilizado pela humanidade há mais de 5 mil anos — seja como moeda, ornamento, reserva de valor ou insumo industrial. Hoje, além de ser amplamente aceito como ativo financeiro, o ouro tem uso prático: está presente em componentes eletrônicos, na odontologia, em aplicações médicas e até aeroespaciais.
O ouro é um bem físico, com demanda constante e múltiplas finalidades reais. Já o Bitcoin é um ativo 100% digital, cuja única função atualmente é especulativa ou, no máximo, de meio de troca em nichos específicos. Ele ainda não foi amplamente testado como reserva de valor em períodos prolongados de instabilidade. Enquanto o ouro já sobreviveu a guerras, colapsos monetários e mudanças de regime, o Bitcoin ainda busca comprovar sua resiliência no tempo.
Vale lembrar também de outras modas recentes. Durante meses, quem não tinha um NFT era considerado ultrapassado. O antigo Facebook, hoje Meta, investiu bilhões no Metaverso acreditando que seria o novo normal. Houve quem comprasse terrenos digitais como se fosse a última chance de não perder o futuro. E boa parte disso virou fumaça.
O Bitcoin pode até não ter o mesmo destino. Pode até se firmar um dia. Mas até lá, ainda carrega riscos relevantes — inclusive tecnológicos. Com o avanço da inteligência artificial e do poder computacional, há incertezas sobre a robustez da segurança criptográfica que sustenta esse ativo.
Além disso, diferente de renda fixa que paga juros, ações que geram dividendos ou imóveis que produzem aluguel, o Bitcoin não produz fluxo de caixa nem tem qualquer utilidade na vida real. Seu valor depende exclusivamente da esperança de que alguém o compre mais caro. Isso, convenhamos, não é algo que se recomenda a investidores conservadores — nem mesmo aos arrojados que investem com método.
A mensagem é simples: não é porque subiu que você precisa ter. O Bitcoin pode até ser o assunto do momento, mas isso não o torna essencial. Investir não é sobre seguir tendências, mas sobre seguir objetivos. E objetivos não se constroem com euforia, mas com fundamento.
Michael Viriato é assessor de investimentos e sócio fundador da Casa do Investidor.
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