A queda que muitos esperam pode não vir tão cedo

14 horas atrás 6

Em 2016, os investidores que compraram NTN-Bs longas a IPCA+7% viram seus títulos se valorizarem de forma rara. Foi como quem comprou um imóvel num bairro esquecido e, meses depois, viu a chegada do metrô e uma explosão nos preços. Desde então, muitos esperam encontrar o mesmo ponto de entrada — e o mesmo resultado. Mas, como bem sabemos, o metrô não chega duas vezes ao mesmo lugar com o mesmo impacto.

Heráclito já alertava: "ninguém entra duas vezes no mesmo rio". E o investidor que aposta na repetição daquele movimento talvez precise reconhecer que o cenário de hoje é outro. Entre 2017 e 2019, os títulos indexados à inflação entregaram retornos comparáveis aos da Bolsa. Isso ocorreu porque, quando os juros reais caem, esses papéis se valorizam. Quanto mais longo o prazo do título, maior a sensibilidade: uma pequena queda nas taxas pode gerar uma valorização expressiva.

Naquele ciclo, dois fatores puxaram essa queda de juros reais. O primeiro foi externo: os juros reais dos Estados Unidos, no prazo de 10 anos, estavam próximos de zero e chegaram a ficar negativos. O segundo foi interno: o Brasil vivia uma fase de avanços institucionais, com reformas estruturantes como o teto de gastos e a trabalhista, além de um discurso fiscal coerente que reduziu o risco percebido.

Essa combinação reduziu o chamado prêmio de risco exigido pelos investidores para investir no Brasil. Como consequência, o spread — a diferença entre o juro real brasileiro e o americano — encolheu e os preços dos títulos subiram. Quem comprou NTN-Bs a IPCA+7% viu o papel valer bem mais no mercado secundário poucos meses depois. E muitos aprenderam, ali, que renda fixa também pode brilhar.

Só que o brilho depende das condições do céu. E, hoje, o céu é outro.

Atualmente, os juros reais americanos estão ao redor de 2% para 10 anos e de 2,6% para 30 anos. Isso significa que, para competir com a segurança dos títulos dos EUA, o Brasil precisa oferecer taxa maior. O spread histórico médio gira em torno de 5 pontos percentuais — e, diante do cenário atual, parece bem fundamentado. O gráfico abaixo reflete esse spread e taxas.

Além disso, a agenda interna já não ajuda. A regra fiscal está em teste, a dívida pública segue crescendo, e a incerteza política contamina a previsibilidade das contas. Não há, no horizonte de curto prazo, nenhuma grande reforma estruturante que inspire o investidor a reduzir sua exigência de retorno. Muito menos estímulo externo para isso.

Esperar nova valorização como a que ocorreu entre 2017 e 2019 é ignorar que aquele movimento teve alicerces concretos — e que eles não estão mais aí. Isso não quer dizer que os títulos indexados à inflação perderam valor. Continuam sendo excelentes instrumentos para proteger o poder de compra, principalmente pensando em aposentadoria ou metas de longo prazo.

Mas quem investe agora esperando lucro com a queda da taxa pode se frustrar. Como bem diz Howard Marks, "você não pode prever, mas pode se preparar". E, neste momento, a preparação passa por diversificação.

O CDI continua oferecendo um juro real elevado, acima de 7% ao ano, com menor risco de marcação a mercado. A ideia não é abandonar as NTN-Bs — mas compreender que, hoje, o ganho delas vem mais da taxa contratada e talvez não de valorização adicional no curto prazo.

Renda fixa não é sinônimo de conservadorismo ingênuo. Ao contrário, exige leitura cuidadosa do cenário. Não se ganha quando os juros sobem — e sim quando eles caem. E, desta vez, a queda pode não estar no radar.

Michael Viriato é assessor de investimentos e sócio fundador da Casa do Investidor.

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