O CEO da Embraer, Francisco Gomes Neto, diz rejeitar a ideia de uma possível retaliação do governo brasileiro como resposta às tarifas anunciadas pelo presidente americano, Donald Trump.
Em entrevista ao C-Level, videocast semanal da Folha, ele afirma que esse caminho elevará o nível de tensão entre os dois países e que, por isso, é preciso esgotar todos os canais de negociação.
Gomes Neto defende uma estratégia alternativa, apresentada por empresários brasileiros ao vice-presidente Geraldo Alckmin em reunião virtual, nesta quinta-feira (17), que prevê concessões dos dois lados.
O executivo diz já estar em contato com autoridades americanas e considera possível chegar a um acordo que preveja o aumento da balança comercial dos dois países. O objetivo seria uma elevação das compras de produtos e serviços de ambos os lados, com eliminação da tarifa em alguns setores. "Não dá para resolver tudo, mas acho que dá para fazer o movimento dos dois lados", diz.
A sobretaxa de 50% anunciada por Trump a produtos brasileiros coloca em risco grande parte do faturamento da empresa, 60% oriundo dos Estados Unidos, e as atuais 181 encomendas feitas por companhias aéreas americanas como Republic e American Airlines.
C-Level
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A argumentação do CEO da Embraer é que a fabricante é grande compradora de componentes dos EUA e que, por isso, interessa a ambos os lados uma solução acordada.
"A gente deve comprar dos EUA mais de US$ 20 bilhões em equipamentos nos próximos cinco anos", afirma. "Acho que todo mundo vai entender essa importância e espero que não queiram colocar isso em risco do lado de lá."
Gomes Neto afirma que companhias aéreas americanas já estão se posicionando ao lado da fabricante brasileira. A empresa aguarda uma redução significativa das tarifas anunciadas por Trump ou uma isenção total dos EUA para o setor de aviação –que já sofre hoje com tarifas de 10% por parte do país.
Qual a expectativa da Embraer sobre a atuação do governo brasileiro quanto às tarifas anunciadas por Trump?
O governo está escutando todas as partes para entender os impactos em cada setor ou cada empresa para definir a estratégia. Temos uma expectativa muito positiva. O governo está engajado, entende a importância e a relevância do timing. Estamos contribuindo para ajudar a construir um caminho para que o problema seja resolvido até o final de julho.
A empresa teve resultados históricos em 2024, revertendo o cenário da pandemia e do fim do acordo com a Boeing. Que medidas pretendem tomar contra o baque da sobretaxa americana?
Ano passado foi um ano espetacular. A gente bateu recordes de receita, de venda, de carteira de pedidos, teve grau de investimento nas três agências [de rating] dos EUA. Nosso plano para 2025 é para um resultado ainda melhor.
O setor da aviação vem trabalhando com a alíquota zero desde 1979, é um setor muito globalizado. A gente compra e vende peças de todos os lugares do mundo. Nossos aviões têm um conteúdo americano muito elevado, na ordem de 45% do custo do avião. A gente está buscando sempre outras alternativas, mas a melhor solução para nós é uma negociação de governo mostrando os benefícios que a aviação traz, tanto para o Brasil como para os EUA, e restaurar a alíquota zero no setor da aviação.
Eu estou brincando aqui na empresa que sou um chief tariff officer ["diretor-executivo de tarifas", trocadilho com chief executive officer], porque estou me dedicando o tempo inteiro para explicar e mostrar, dos dois lados, os impactos negativos da manutenção de uma tarifa tão elevada.
As tarifas fazem com que as aeronaves produzidas sob esse cenário deixem de ser competitivas?
Sem dúvida. Mitigar o impacto desse tamanho é muito difícil, diria que é praticamente impossível. Temos um avião que demora 15 ou 16 meses para ser produzido. A nossa linha de montagem está cheia de aviões em diferentes estágios de acabamento. Uma vez que essa tarifa seja mantida, nós temos que negociar com os clientes.
Se os clientes, no futuro, não quiserem receber mais aviões por causa da tarifa, não tem outra alternativa senão a gente reduzir a produção. Reduzindo a produção, teremos um impacto importante. Como a relevância do mercado americano é muito grande para a Embraer, o impacto seria similar ao da Covid.
Quais foram os primeiros efeitos observados após o anúncio, no diálogo com clientes?
Por ora, são efeitos menores. Um terço dos voos dos aeroportos de Washington e Nova York são em aviões da Embraer. Se a gente não fornecer esses aviões, as linhas aéreas não vão ter como substituir, renovar suas frotas. Esse é um lado que impacta o lado americano.
Por outro lado, se nós produzirmos menos aviões para os EUA, nós vamos comprar menos equipamentos e peças dos EUA. Isso vai afetar a indústria americana. Nos próximos cinco anos, a gente [Embraer] deve comprar dos EUA mais de US$ 20 bilhões.
Os compradores americanos estão se posicionando como aliados para fazer pressão sobre as autoridades americanas?
Eles estão se posicionando para ajudar. Eles gostam do avião, precisam para os negócios deles e gostam de trabalhar com a Embraer. Têm se posicionado a nosso favor, junto às autoridades do governo dos EUA. A mesma coisa com nossos fornecedores. Eu mesmo, pessoalmente, fui visitar as autoridades americanas. A gente levou ideias para dividir com o doutor Geraldo Alckmin, e a gente percebeu que eles estão bem engajados nesse processo.
Que clima o senhor sentiu entre seus colegas de empresas que participaram da videoconferência com o vice-presidente [nesta quinta]?
É um clima de apreensão por causa da situação. Por outro lado, o que a gente levou é o que várias empresas brasileiras estão fazendo, [uma proposta] que vai gerar investimentos nos Estados Unidos, que vai gerar mais empregos do lado americano, para que isso seja parte de uma estratégia e apoie a negociação do Brasil junto com os EUA, para que a balança comercial entre os dois países cresça dos dois lados.
Que desfecho o senhor acha mais provável?
Não tenho bola de cristal, mas imagino que seja uma redução substancial dessas tarifas de forma a promover um crescimento da balança comercial dos dois lados. E, por último, no caso da aviação, advogamos o retorno da tarifa zero. Nós compramos muitas peças dos Estados Unidos, mas [também] da Europa, do Japão, da Coreia do Sul. Tarifa só complica e aumenta o custo desse mercado.
O governo brasileiro também colocou na mesa a possibilidade de retaliação. Como avalia essa medida?
Pessoalmente, sou contra. Acho que tem que esgotar primeiro a parte negocial, e é exatamente isso que nosso governo está fazendo. Estou otimista que chegue a uma conclusão, então a gente não precisaria passar para essa outra etapa que, imagino, vai elevar ainda mais o nível de tensão e estresse na relação.
Está na mesa um adiamento dessa decisão pelo governo Donald Trump?
Vejo muita vontade de resolver isso neste prazo [até 1º de agosto]. Vou resgatar o acordo entre os EUA e o Reino Unido. Se você olhar esse acordo, ele tem oportunidades para os dois lados, concessões dos dois lados, não é só do lado do Reino Unido, e alguns pontos eles deixam [para] anunciar mais tarde.
Acho que não dá para resolver tudo, mas dá para fazer um movimento dos dois lados, obviamente, que sirva como base para tirar essas tarifas nesse momento, deixar os mercados operando como vinham operando e depois ir agregando outros projetos, outras atividades para melhorar ainda mais essa balança comercial entre os dois países.
A Embraer projetou em 2025 uma receita consolidada de [até] US$ 7,5 bilhões. Com o tarifaço se consolidando em 50%, esse número vai ser afetado?
Com essa nova tarifa de 50%, naturalmente, vamos ter que revisar. Não tem como. Ainda não [tem como calcular o novo número]. O risco é que, por causa de uma tarifa muito elevada, o cliente não queira receber o avião. Então, nós vamos ter que negociar uma compensação, ter que negociar de uma forma que seja boa para os dois lados.
Da carteira de projetos atual, o sr. vê risco então de medidas de adiamento ou de cancelamento?
[Com] uma manutenção por 50%, é muito provável. Certamente, os clientes vão reagir e vamos ter que achar um caminho. Por enquanto, não tem nenhum pedido de cancelamento, nenhum pedido de adiamento, está tudo sob controle.
A empresa pensa em reforçar a produção nos Estados Unidos?
[Para] os aviões comerciais que nós temos nos EUA, os E175, a demanda futura é uma demanda de reposição da frota atual. Não tem expectativa de grande crescimento. Tirar essa produção para fazer em outro lugar é muito complicado, vai aumentar o custo dos dois lados. E quase metade do avião já é conteúdo americano.
Nos aviões executivos, dá para pensar em alguma coisa no futuro. Hoje nós já temos uma grande parte dos aviões sendo montados na Flórida. Podemos avançar um pouco nisso, mas volta o argumento de que quase metade desses aviões que a gente faz no Brasil tem conteúdo americano.
Alguns empresários apontam que o distanciamento entre o governo Lula e o governo Donald Trump, e até o discurso político do governo Lula acabam atrapalhando um pouco, dificultando a abertura de canais de negociação. Concorda com essa avaliação?
Meu foco é econômico. Em todas as reuniões que eu tive até hoje nos EUA, ninguém trouxe problema político para mim.
Como o senhor vê a negociação que está sendo levada também pelo governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas?
A sede da Embraer é em São Paulo. Mas quem comanda esse processo é o governo federal. O governador deixou isso muito claro. Claro que a iniciativa é bem-vinda, mas quem comanda isso é o governo federal.
Em 2018, a Embraer começou a discutir um acordo bilionário com a Boeing. Existe alguma chance de esse acordo ou alguma parceria com a empresa voltar ao radar?
Eu cheguei na Embraer depois que esse contrato foi assinado. Fiquei muito feliz que, no final, reintegramos a aviação comercial e hoje a empresa vive um dos seus melhores momentos em termos de desempenho operacional e financeiro.
Nós não temos no radar nenhum tipo de acordo com a Boeing. A companhia está aberta a oportunidades que nos ajudem a abrir novos mercados, mas que sejam oportunidades também simples e de fácil execução, que não ponham em risco a saúde financeira da companhia.
Nos últimos anos, a gente viu as principais empresas brasileiras de aviação passando por muitas dificuldades. Como o sr. vê o cenário da aviação brasileira, o crescimento da movimentação de passageiros e, por consequência, uma perspectiva de crescimento de demanda dessas empresas?
O Brasil está construindo mais aeroportos. É interesse do governo melhorar a conectividade, ter mais voos entre as cidades para não precisar passar tudo por São Paulo, Rio ou Brasília. E os nossos aviões são perfeitos para isso.
RAIO-X | FRANCISCO GOMES NETO, 67
CEO da Embraer desde maio de 2019. Formado em engenharia elétrica com especialização em administração de empresas e MBA em controladoria e finanças. Antes, esteve à frente do grupo Marcopolo. Foi CEO para as Américas da empresa Mann+Hummel, de equipamentos de filtragem, e presidente da Knorr Bremse Brasil, de sistemas de controle de veículos comerciais.