Para o governo dos Estados Unidos, enviar deportados acusados de serem membros de gangues para uma prisão em El Salvador está de acordo com a promessa do presidente Donald Trump de deportar migrantes sem status legal e reprimir o crime.
Para o presidente de El Salvador, Nayib Bukele, as recompensas parecem ter incluído, entre outras coisas, uma visita amigável à Casa Branca e um selo de aprovação para viagens de turistas ao país, apesar das preocupações generalizadas com a repressão de Bukele às liberdades civis.
Embora os termos exatos do acordo não tenham sido divulgados, líderes de todo o mundo podem estar observando, dizem especialistas e advogados de imigração, especialmente porque o governo Trump busca países dispostos a receber migrantes expulsos de outras nacionalidades.
"Outros líderes e países estão tentando imitar o acordo de Bukele", disse Iván Espinoza-Madrigal, diretor da organização Advogados pelos Direitos Civis, um grupo com sede em Boston que representou imigrantes em ações judiciais contra o governo Trump. Os países estão cada vez mais "levantando a mão para oferecer suas instalações prisionais e facilitar a deportação de pessoas", acrescentou.
Um porta-voz da Casa Branca disse que o governo está "grato pela parceria do presidente Bukele" e pelo uso de sua prisão de segurança máxima: "Não há lugar melhor para esses criminosos doentes e ilegais".
Líderes da gangue MS-13 devolvidos
Uma investigação do The New York Times descobriu que o governo dos EUA não apenas pagou ao governo de Bukele cerca de US$ 5 milhões (R$ 27,6 milhões) para encarcerar mais de 200 deportados venezuelanos, mas acrescentou um bônus a seu pedido: o retorno a El Salvador de vários líderes importantes da MS-13 sob custódia dos EUA, alguns dos quais se acredita terem conhecimento dos laços de Bukele com a gangue.
Lá Fora
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As autoridades americanas encontraram evidências substanciais de negociações secretas entre o governo de Bukele e os líderes da MS-13, e alguns especialistas dizem que Bukele pode querer enterrar essas evidências. Ele negou ter qualquer pacto com a gangue; seu governo não respondeu a um pedido de comentário.
Um impulso para o turismo
Em abril, o Departamento de Estado elevou o aviso de viagem para El Salvador à sua classificação mais branda, citando uma "queda nos crimes violentos e assassinatos". Embora as taxas de criminalidade tenham melhorado, El Salvador saltou para o nível mais seguro dos EUA, à frente de países como França ou Espanha, cujas taxas de crimes violentos são iguais ou inferiores.
A melhoria na classificação reflete uma reviravolta dramática para um país que antes tinha uma taxa de homicídios em alta e "problemas significativos de direitos humanos", de acordo com o Departamento de Estado em 2023.
Desde que Bukele ordenou prisões em massa em 2022, El Salvador se tornou um dos países mais seguros da região, o que lhe rendeu amplo apoio dos salvadorenhos em uma reeleição esmagadora no ano passado.
Mas o momento da atualização dos EUA levantou questões entre os críticos, pois ocorreu logo após El Salvador receber deportados e após Bukele se reunir com o secretário de Estado Marco Rubio. O Canadá e o Reino Unido estão entre os países que ainda alertam os viajantes para que tomem mais cuidado ao visitar El Salvador.
Ahilan Arulanantham, do Centro de Direito e Política de Imigração da UCLA, disse que "não há dúvida" de que Bukele desejaria a atualização. Qualquer governo, disse ele, "preferiria uma classificação dizendo que é seguro viajar para lá".
Bukele, que espera que o turismo impulsione a economia, divulgou a notícia e promoveu o país como um novo destino para o surfe. "Acabamos de receber a classificação máxima do Departamento de Estado dos EUA: Nível 1: o mais seguro possível", disse.
Status de Proteção Temporária
O governo Trump encerrou recentemente as proteções contra deportação para imigrantes de países como Haiti, Venezuela, Afeganistão, Honduras e Nicarágua.
Mas os imigrantes salvadorenhos ainda têm o status de proteção temporária, que protege cerca de 200 mil pessoas da deportação e lhes permite trabalhar legalmente nos EUA. Os privilégios duram até o início de setembro.
Especialistas dizem que esse status rende pontos políticos a Bukele em seu país, onde as remessas financeiras de parentes que vivem nos Estados Unidos são vitais para a economia.
Crítica silenciosa
Nos últimos meses, o governo de Bukele reprimiu ainda mais as liberdades civis, visando grupos da sociedade civil, prendendo críticos e forçando alguns jornalistas proeminentes a fugir.
E enquanto a União Europeia condenou uma nova lei que dá ao seu governo amplos poderes para silenciar dissidentes, o governo dos EUA permaneceu em silêncio. Em vez disso, o Departamento de Estado certificou em abril que El Salvador estava protegendo a liberdade de imprensa e fortalecendo o Estado de Direito.
Atenção e acesso
Depois que os deportados chegaram a El Salvador, Trump recebeu Bukele no Salão Oval, elogiando-o como "Presidente B". A cooperação de Bukele —e suas imagens altamente estilizadas de deportados algemados entrando em uma prisão construída para terroristas— também geraram movimentação, que o presidente salvadorenho explorou.
Recentemente, ele discutiu online com um estilista cujo desfile em Paris apresentou modelos com roupas semelhantes às usadas pelos deportados. Bukele também se tornou um exemplo para outros governos, gerando pelo menos um acordo, entre El Salvador e Costa Rica, para replicar sua prisão de alta segurança no país.
Cercanías
A newsletter da Folha sobre América Latina, editada pela historiadora e jornalista Sylvia Colombo
Escrutínio internacional
O acordo para prender deportados dos Estados Unidos atraiu o escrutínio de Bukele, de acordo com Douglas Farah, especialista em El Salvador que assessorou uma força-tarefa do Departamento de Justiça voltada para a MS-13.
Familiares pediram a libertação de muitos dos deportados venezuelanos, alegando que seus parentes não têm antecedentes criminais. Legisladores democratas exigiram respostas sobre o acordo. Um deportado que retornou disse ter sido maltratado sob custódia salvadorenha.
Bukele negou essas alegações. "Não me importo se me chamam de ditador", disse ele recentemente. "Prefiro ser chamado de ‘ditador’ do que vê-los matar salvadorenhos nas ruas."
Farah disse que o acordo criou tensão. "Bukele não pensou em como isso seria visto pelo mundo exterior e por seu próprio povo", disse ele. Pela primeira vez, acrescentou, a imagem de Bukele como salvador de sua nação está enfrentando "contrapressão".