Etanol pode ser negociado com EUA, mas Brasil deveria manter sua tarifa, diz Silveira; assista

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O ministro Alexandre Silveira (Minas e Energia) não descarta que o etanol entre na pauta de negociação com os Estados Unidos como forma de buscar alternativas à tarifa de 50% anunciada por Donald Trump. O titular da pasta defende, no entanto, que o Brasil mantenha as taxas impostas ao produto americano.

A tarifa de 18% sobre o etanol americano está entre as principais reclamações dos EUA, que colocaram o tema sob investigação neste mês. Silveira diz, no entanto, que o percentual está em equilíbrio com as taxas americanas aplicadas ao açúcar brasileiro –que faz parte da mesma cadeia de produção, a da cana.

"As taxas do etanol têm que ser mantidas", afirmou em entrevista ao C-Level, videocast semanal da Folha, ressaltando que as negociações são lideradas pelo vice-presidente Geraldo Alckmin. "Naturalmente, vou defender que se mantenha a estabilidade da taxa, até porque o etanol é muito importante para o Nordeste brasileiro."

O ministro afirma que uma eventual retaliação dos EUA a países que compram petróleo e derivados russos não deve gerar uma proibição por parte do Brasil à importação de produtos do país do Leste Europeu. "Não seria correto. Temos uma dependência de 21% de importação de diesel, e 64% é russo. Isso facilita com que a gente tenha um preço médio na bomba de combustível mais baixo", diz.

Outro interesse dos EUA na região está na energia paraguaia de Itaipu, expresso recentemente pelo secretário de Estado americano Marco Rubio. Para o ministro, o país vizinho pode usar a energia como quiser a partir de 2027. "Antes disso, há uma relação contratual consolidada. Então, acho que o secretário estava mal informado."

C-Level

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A taxa de 50% anunciada por Trump sobre produtos brasileiros gera preocupação sobre o petróleo brasileiro, produto mais exportado aos EUA?
Não se trata uma doença grave como essa que infelizmente se alastrou pelo mundo pelas mãos do presidente Trump sem um bom diagnóstico. E a verdade é que nós não temos ainda esse diagnóstico, nós não sabemos qual o ponto central desse avanço sobre o Brasil. Mas estou confiante que a partir do diagnóstico que será feito pelo vice-presidente Alckmin a gente possa tratar essa doença grave, que é essa instabilidade comercial em todo o planeta. Com relação ao petróleo, não há grandes impactos. A Petrobras tem outros mercados e, portanto, não há reflexo direto.

Os EUA inclusive abriram uma investigação sobre a taxa do Brasil no etanol. Ele pode entrar na negociação?
As condições estão sendo tocadas por Alckmin, designado pelo presidente Lula. Temos hoje um mercado equilibrado na relação com os EUA, porque a gente equilibra etanol e açúcar. No açúcar, os EUA sobretaxam em 90%. No etanol, nós temos uma sobretaxa [maior] do que a americana. A gente espera que seja mantido. Nós estamos defendendo, naturalmente, um consenso.

Mas é possível negociar o etanol?
É extremamente natural que a gente dialogue sobre todos os produtos, coloque todos na mesa. [Mas] é fundamental que a gente defenda o que temos de mais competitivo. O etanol é muito importante e fortalece muito a cadeia produtiva do agronegócio brasileiro. É um produto que, naturalmente, vou defender que se mantenha a estabilidade da taxa, até porque o etanol é muito importante para o Nordeste brasileiro. Mas só o diálogo que o presidente Alckmin está estabelecendo com os EUA é que vai nos levar a uma conclusão definitiva sobre quais produtos estarão na mesa.

As tarifas brasileiras sobre o etanol foram um ponto claro de desconforto por parte deles.
As taxas do etanol têm que ser mantidas. Há um equilíbrio na balança comercial hoje entre o Brasil e os Estados Unidos. Se o ponto central fosse esse, nós já estaríamos conversando especificamente sobre ele na mesa com o presidente Trump.

Os EUA também avaliam retaliações a quem compra petróleo ou derivados russos. Proibir a importação desses produtos é uma opção para o Brasil?
Não seria correto. A Petrobras é uma empresa de capital aberto, listada na Bolsa de Nova York, portanto ela tem restrições objetivas. Agora, as empresas que não são listadas no mercado americano têm a liberdade de importar conforme a relação comercial com os países. Temos uma dependência de 21% de importação de diesel, e 64% é russo. Entendo que essas companhias têm que continuar com a liberdade de importarem o diesel russo. Isso facilita com que a gente tenha um preço médio na bomba de combustível aqui no Brasil mais baixo.

Outro interesse declarado pelo secretário de Estado americano, Marco Rubio é usar a energia de Paraguai em Itaipu para empresas de inteligência artificial. Existe preocupação com isso?
Ele não conhece o tratado de Itaipu. Foi combinado com o presidente do Paraguai que uma das cláusulas seria a gente levar os custos sociais hoje de Itaipu [investimentos feitos pela usina com recursos da tarifa] até dezembro de 2026, e, a partir de janeiro de 2027, esses custos zerariam. A partir daí, o Paraguai teria sim a liberdade de vender, inclusive no mercado brasileiro, a sua energia. Ele poderia vender no mercado interno e usar para data center americano, chinês, paraguaio, o que fosse, lá no Paraguai. Isso seria natural a partir da assinatura e da aprovação pelos Congressos nacionais do "anexo C" [que define detalhes comerciais da usina, incluindo regras sobre venda de energia entre Brasil e Paraguai, e que está em renegociação após 50 anos]. Antes disso, há uma relação contratual consolidada. Então, acho que o secretário norte-americano, Marco Rubio, estava mal informado da relação contratual que temos com o Paraguai.

Mas também teria uma outra preocupação, o fato de que o Brasil tem uma demanda forte de energia firme.
Temos, na verdade, uma necessidade de contratação de energia de ponta [usada em horários de maior consumo]. O presidente do Paraguai citou que ele queria entregar, ao final do mandato dele, boa parte dessa energia [a que Paraguai tem direito em Itaipu] para industrializar o Paraguai e fortalecer sua economia. Não seria um problema para o Brasil. Nós não temos problema de produção de energia.

Falando nisso, empresas como a Eletrobras defendem ser remuneradas pelo acionamento em momentos de pico. Como o sr. vê isso?
Há uma defesa realmente da Eletrobras e do setor das hidrelétricas nesse sentido, mas a defesa nossa da estabilidade tarifária é fundamental. Se depender do ministro, não [vai prosperar o pleito], porque quero energia barata na casa, no comércio e na indústria.

O sr. tinha uma relação muito difícil com o antigo presidente da Petrobras, Jean-Paul Prates. O que mudou da gestão passada para a de Magda Chambriard e como é a relação sua com ela?
Eu não tinha uma relação difícil com o presidente Jean Paul. Na verdade, havia uma discordância natural [do então CEO] com o programa que o presidente Lula se comprometeu na campanha. Aumentar os investimentos da Petrobras em fertilizantes, aumentar a capacidade da Petrobras, ampliar o fornecimento de gás para o Brasil. Investimentos fundamentais. Hoje, com a presidenta Magda, nós temos muito mais estabilidade. Com relação à intenção e mais do que isso ao trabalho da presidenta Magda, é irretocável, posso afirmar isso, e nos deu grande tranquilidade.

Há possibilidade de a licença para a Margem Equatorial sair às vésperas da COP 30 ou até mesmo ser encerrado o mandato de Lula sem a liberação? Qual a estimativa do governo?
Se sair na véspera da COP, não temos que ter nenhum constrangimento. O Brasil tem uma das melhores matrizes energéticas do mundo. Há uma grande expectativa nossa que em agosto saia a APO [avaliação pré-operacional, um simulado de resposta a acidentes considerado a última etapa para o licenciamento da prospecção e que depende do Ibama].

Como vai funcionar o Gás para Todos? Quanto cada família vai receber? Vai ter um novo cartão?
[A família] precisa ser do CadÚnico [cadastro para programas sociais, voltado à baixa renda]. Vai ter um escalonamento dependendo do número de pessoas de cada família. Um casal, por exemplo, receberá um botijão de gás a cada 45 dias. O máximo que vai receber é a cada 30 dias, para uma família de quatro pessoas. No total, serão 17 milhões de famílias e mais de 40 mil postos de distribuição. Será por meio de um novo cartão já em fase final na Caixa. A medida provisória está pronta, o presidente Lula deve aprová-la nos próximos dias, assiná-la e enviar ao Congresso. Serão R$ 5 bilhões [de verba] para 2026, no Orçamento da União. Queremos começar esse programa em setembro, com R$ 2,6 bilhões para este ano.

Dá para fazer o leilão de petróleo para reforçar a arrecadação neste ano?
Está marcado para novembro, nós estamos muito dedicados e eu estou muito confiante que a gente consiga. Tem muito concorrente.

Como lidar com jabutis de energia e impedir que eles sejam aprovados?
O Congresso tem todo o direito de contribuir, mas toda vez que a gente entender que algo não interessa à questão da justiça tarifária e do planejamento, vamos usar os instrumentos democráticos que temos. Nesse caso [recente, de aprovação de itens como a contratação maciça de usinas a gás], usamos o veto, a medida provisória [que tenta reduzir o impacto] e, se necessário, vamos judicializar.

Como está a chance de horário de verão neste ano?
Pode ser uma realidade. É uma decisão técnica, não política. A energia não pode faltar em hipótese alguma. Portanto, o horário de verão vai ser discutido nos próximos 45 dias com muito vigor. Por quê? Porque caso seja decidida a necessidade do horário de verão, há de se planejar os setores aéreos, o setor de transporte, os setores estratégicos.

A nova política para minerais raros, prestes a ser concluída, vai ter como diretriz agregar valor aos materiais em solo brasileiro, em vez da mera exportação da commodity?
Sem dúvida. Esse é o nosso propósito, criar valor no Brasil. É fundamental para tornar o Brasil um país mais próspero e inclusivo. Um dos pontos mais sensíveis da discussão do setor mineral é exatamente esse, a cadeia de produção. Porque nós temos que buscar equilíbrio entre nosso desejo e o possível. Em alguns produtos nós somos mais competitivos com exportação in natura. Isso é uma realidade e nós temos que conviver com ela.

O desenho final da Eletrobras ficou satisfatório?
Foi a contento. Queremos que a Eletrobras tenha sucesso, os nossos conselheiros estão ativos, estão nos informando e é uma empresa fundamental.

A Eletrobras está procurando um comprador para sua fatia na Eletronuclear, que detém as usinas de Angra. É um problema se o novo acionista, que participará de usinas nucleares, for estrangeiro como uma estatal chinesa?
Não há nenhum impedimento. É uma participação da Eletrobras, ela tem todo o direito de negociar esse capital dela. Se não há impedimento legal, eu não vejo com nenhuma preocupação. Que seja americana, que seja chinesa.

O presidente do Senado, Davi Alcolumbre, foi um de seus apoiadores e depois brigou com o sr. Por quê?
Eu tenho uma boa relação com o presidente do Congresso Nacional. Nunca conversamos, nunca tivemos nenhum desentendimento direto. Se há alguma insatisfação, eu só vi pelos jornais. Ele nunca me demonstrou isso, nunca me procurou para isso, nunca conversamos sobre isso.


RAIO-X | Alexandre Silveira, 55

Ministro de Minas e Energia. É delegado aposentado da Polícia Civil de Minas Gerais. Foi diretor-geral do Dnit (entre 2004 e 2005), deputado federal, secretário do governo de Minas Gerais e senador

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