Um dos amigos mais próximos de Jair Bolsonaro (PL) desde 1973, o general Luiz Eduardo Ramos sumiu de Brasília.
Isolado em Resende (RJ) e distante dos círculos militares, o ex-ministro decidiu submergir para ficar longe do cerco da Polícia Federal contra o ex-presidente e integrantes das Forças Armadas envolvidos na trama golpista de 2022.
Ramos é o único ministro militar do Palácio do Planalto nos últimos anos do governo Bolsonaro que se livrou do processo no STF (Supremo Tribunal Federal).
O general Walter Braga Netto está preso há seis meses, e o tríplice coroado (primeiro aluno nos três principais cursos por que passa um general) do Exército Augusto Heleno pode ser condenado a mais de 40 anos de prisão.
No governo Bolsonaro, Ramos foi ministro da Secretaria de Governo de 2019 a março de 2021. De lá, foi para a Casa Civil, onde ficou até julho do mesmo ano, para então se tornar ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República.
Enquanto seus ex-colegas são alvo do STF, Ramos foi para sua casa de quase 400 m² no condomínio Terras Alphaville Resende, comprada em 2018 e até então pouco utilizada, e aproveita seus anos da reserva do Exército viajando pelo mundo com a família.
O general até mudou de visual: deixou a barba crescer e colocou uma prótese capilar no início do ano. Em tom de piada, amigos de Ramos dizem que as mudanças forjaram um convincente disfarce.
A Folha conversou com oito oficiais do Exército próximos a Ramos, entre colegas de turma da Aman (Academia Militar das Agulhas Negras) e integrantes do governo Bolsonaro. A avaliação é que o general se livrou das acusações da trama golpista porque foi escanteado pelo ex-presidente ainda em 2021, quando criou inimizades na Esplanada dos Ministérios.
Procurado, Ramos não se manifestou. Ele disse a interlocutores que foi alijado do governo depois de ter saído da Casa Civil e que agradeceu a Deus por ter ficado livre dos processos que miram a gestão Bolsonaro.
O ex-ministro afirmou a pessoas próximas que perdeu acesso ao então presidente quando foi para a Secretaria-Geral. No fim de 2022, quando Bolsonaro perdeu a eleição, o general participou de poucas reuniões com o chefe.
Dois dias após a derrota nas urnas, Ramos recebeu uma proposta de trabalho. O Sindicato Nacional das Indústrias de Materiais de Defesa queria contratá-lo como consultor. O militar comunicou o convite à Comissão de Ética Pública da Presidência para pedir autorização para o novo emprego.
"Certamente, ocorrerá conflito de interesse, na medida em que as indústrias e empresas interessadas visam o aproveitamento da minha vasta experiência adquirida, no âmbito do governo federal, nas áreas ligadas à desburocratização, digitalização e gestão pública, todas intimamente ligadas ao processo de modernização do Estado, sob minha responsabilidade", disse Ramos à comissão.
A Presidência determinou que o general cumprisse quarentena de seis meses diante do conflito de interesses, com a contrapartida de receber o salário de ministro pelo mesmo período.
Ramos conheceu Bolsonaro em 1973, quando ambos entraram na Escola Preparatória de Cadetes do Exército. Formaram-se juntos na Aman em 1977.
Mesmo depois da tumultuada saída de Bolsonaro do Exército, condenado administrativamente por "comportamento aético e incompatível", os dois se mantiveram próximos.
Um caso emblemático da relação de amizade se deu em 15 de agosto de 1992. Bolsonaro foi à Aman para participar da cerimônia de formatura dos cadetes, mas acabou proibido de entrar no quartel. Na época, deputado do Partido Democrata Cristão, ele era malvisto pelas cúpulas militares por promover politização das patentes mais baixas das Forças Armadas.
Bolsonaro, então, decidiu estacionar seu Chevette azul na porta da academia. O ministro do Exército, Carlos Tinoco, ficou irritado. "Tem que tirar aquela porcaria de carro de lá. Se for preciso, eu mesmo vou", disse o general para os oficiais, em reclamação ouvida pelos jornalistas que acompanhavam a cerimônia.
Tinoco não precisou usar a força. O então major Ramos estava na Aman e se incumbiu de conversar com Bolsonaro. O deputado acabou aceitando sair do local —mas impôs, como condição, que o carro fosse guinchado com ele em cima.
Anos depois, em 2018, quando Bolsonaro concorreu à Presidência pela primeira vez, Ramos fez um discurso a favor do candidato-amigo em evento no Comando Militar do Sudeste. Uma gravação das declarações do general foi revelada pelo site Metrópoles.
O general usou o espaço para fazer campanha para Bolsonaro: "Nós, militares, [...] temos uma capacidade muito forte para influenciar as outras pessoas. Porque nós somos honrados, temos credibilidade. A instituição Forças Armadas tem mais de 80% [de credibilidade]. Então eu já fiz esse teste: chega num jornaleiro que você já conheça e manifeste o seu voto".
Ramos foi chamado por Bolsonaro para assumir a Secretaria de Governo em junho de 2019. O então presidente havia demitido dias antes o general Santos Cruz. Mesmo na ativa do Exército, chefe do Comando Militar do Sudeste, Ramos avisou à caserna que assumiria a nova missão.
A escolha por Ramos foi calculada. Ele havia sido assessor parlamentar do Exército antes de virar general e era considerado experiente em articulação política por ter liderado a Força da Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti em 2011.
Quando Bolsonaro decidiu, em 2020, aproximar-se dos partidos que compõem o centrão na Câmara dos Deputados, coube a Ramos abrir espaços na Esplanada para indicações dos novos aliados do governo.
Abriu-se, então, a crise: ministros passaram a acusar Ramos de oferecer seus cargos em troca de apoio político. O chefe da pasta de Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, expôs a insatisfação no grupo de WhatsApp do primeiro escalão do governo.
"Ministro Ramos, sinceramente não sei onde o sr. estava nos anos 2016, 2017, 2018… Mas eu, junto ao Ministro Onyx e outros membros do governo, já estava na Câmara do Deputados articulando em favor da então candidatura do Presidente JB", escreveu Marcelo Álvaro em mensagem de 8 de dezembro de 2020.
Diante do impasse, Bolsonaro decidiu demitir o ministro do Turismo e manteve Ramos no governo. Meses depois, levou o general para a chefia da Casa Civil —cargo que ocupou por pouco tempo, para ceder espaço para o Ciro Nogueira (PP), até ser realocado para a Secretaria-Geral da Presidência.