Imigrantes presos na 'Alcatraz dos jacarés' denunciam caos

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Os homens presos no novo centro de detenção de imigrantes no manguezal Everglades, na Flórida, não têm lápis, livros ou televisão. As luzes permanecem acesas durante a noite. Quando chove, o que acontece quase todos os dias durante o verão, as barracas que abrigam os detentos apresentam vazamentos e insetos entram.

Em entrevistas por telefone, vários detentos descreveram banhos infrequentes, refeições que não passavam de pequenos lanches, outros detentos adoecendo com sintomas semelhantes aos da gripe e privação de sono. Eles relataram inquietação devido à falta de informações, lazer e acesso a medicamentos.

"É um barril de pólvora", disse Rick Herrera, um dos detentos, que ligou repetidamente para um repórter do New York Times durante cinco dias, oferecendo uma rara visão das caóticas primeiras semanas do que especialistas dizem ser a única instalação administrada por um estado para detentos federais de imigração nos Estados Unidos.

A Flórida correu para abrir o centro —oficialmente batizado de "Alcatraz dos jacarés" para destacar sua localização remota e pantanosa— em 3 de julho, ansiosa para ajudar na campanha de deportações do presidente Donald Trump, fornecendo mais capacidade de detenção. A secretária de Segurança Interna, Kristi Noem, disse no domingo que outros estados querem seguir o exemplo da Flórida.

O governador Ron DeSantis da Flórida, um republicano, posicionou seu estado como particularmente agressivo na aplicação das leis de imigração, designando forças policiais estaduais e locais para atuarem como "multiplicadores de força" para as autoridades federais.

Mas a abertura do centro de detenção foi uma medida com pouco precedente que dependeu de poderes estaduais de emergência. Até pouco tempo atrás, o governo federal era responsável por abrigar detentos de imigração, e detinha principalmente pessoas que entraram ilegalmente no país recentemente, ou que têm condenações criminais ou ordens de deportação pendentes. Mas a aplicação das leis de imigração mudou substancialmente sob Trump, capturando pessoas que não eram o foco antes.

A instalação da Flórida serve como parte do processo de cooperação imigratória local-federal conhecido como 287(g). Sob esse sistema, autoridades locais podem prender e deter migrantes em nome do Serviço de Imigração e Alfândega dos EUA (ICE). No entanto, não está claro se e quando os detentos no centro da Flórida seriam transferidos para a custódia do ICE antes de serem deportados.

A maioria dos detentos no centro não tem condenações criminais, de acordo com um funcionário do governo com conhecimento dos dados que solicitou anonimato porque não estava autorizado a discutir o assunto. Pelo menos alguns foram transferidos de cadeias locais após serem detidos por infrações de trânsito; outros foram transferidos da custódia do ICE.

Outro funcionário do governo que solicitou anonimato pelo mesmo motivo disse que, no total, 60% dos detentos do centro têm condenações criminais ou acusações criminais pendentes contra eles.

DeSantis já está considerando abrir outra instalação semelhante no norte da Flórida. Os tribunais, no entanto, têm repetidamente sustentado que a aplicação das leis de imigração é um dever federal. Na semana passada, a Suprema Corte recusou-se a reviver uma agressiva lei de imigração da Flórida bloqueada por tribunais inferiores que teria tornado crime para migrantes sem status legal entrar no estado.

"Os estados não têm permissão para criar seu próprio sistema de detenção de imigração", disse Lucas Guttentag, ex-funcionário do Departamento de Justiça no governo Biden. "Todos que valorizam a liberdade deveriam estar profundamente preocupados."

Questionada sobre o centro da Flórida, Tricia McLaughlin, porta-voz do Departamento de Segurança Interna, disse: "Sob a liderança do presidente Trump, estamos trabalhando em velocidade turbo em maneiras inovadoras e econômicas para cumprir a missão [que recebemos] do povo americano para deportações em massa de imigrantes ilegais criminosos."

Embora Trump tenha feito uma visita chamativa ao centro de detenção da Flórida há duas semanas, o governo federal se distanciou da instalação, dizendo que é responsabilidade da Flórida. Depois que grupos ambientalistas foram à Justiça para interromper a construção do centro, Thomas P. Giles, um alto funcionário do ICE, escreveu em uma declaração respondendo ao processo que o papel da agência "tem sido limitado a visitar a instalação para garantir a conformidade com os padrões de detenção do ICE, e reunir-se com funcionários do estado da Flórida para discutir questões operacionais."

"A decisão final sobre quem deter", escreveu ele, "pertence à Flórida."

Os detentos no centro não aparecem no banco de dados público do ICE, tornando difícil para parentes ou advogados encontrá-los ou saber se foram deportados. Com 1.000 leitos divididos entre unidades cercadas que abrigam 32 homens cada, o centro mantinha cerca de 900 detentos até sábado, segundo membros do Congresso e legisladores estaduais. A grande maioria era latina.

Detenções em massa têm levado a reclamações de superlotação e condições insalubres e desumanas em centros de detenção do ICE em todo o país, embora o órgão tenha negado quaisquer problemas. Mas algumas condições no centro de detenção da Flórida são mais graves devido à sua construção apressada e localização remota. Foi construído em um campo de aviação com tão pouca infraestrutura que o lixo e o esgoto precisam ser transportados por grandes caminhões.

Autoridades estaduais, que disseram aos legisladores que planejam expandir a capacidade da instalação para 4.000 até o próximo mês, descartaram as descrições dos detentos sobre más condições como "completamente falsas."

"A instalação atende a todos os padrões exigidos e está em bom funcionamento", disse Stephanie Hartman, diretora adjunta de comunicações da Divisão de Gerenciamento de Emergências da Flórida, em um comunicado.

Parentes e advogados dos detentos dizem que não têm sido autorizados a visitá-los. Até agora, os detentos têm permissão para fazer ligações ilimitadas sem custo, mas elas podem ser monitoradas ou gravadas. Alguns detentos e seus parentes recusaram-se a ser identificados por medo de retaliação.

Membros do Congresso dos EUA e legisladores estaduais visitaram a instalação a convite no sábado, depois que legisladores estaduais democratas tiveram a entrada negada no início deste mês quando apareceram sem aviso prévio. Democratas estaduais entraram com uma ação judicial, argumentando que têm direito a tal supervisão.

Após a visita, o senador estadual Blaise Ingoglia, um republicano, descreveu um beliche em uma unidade vazia da instalação como "melhor que minha cama em casa."

Vários legisladores democratas criticaram a visita como "higienizada" e disseram que as condições dentro eram piores do que as dos centros de detenção do ICE. "Todo morador da Flórida deveria se envergonhar do fato de que nosso dinheiro de impostos esteja sendo usado para colocar pessoas nessas jaulas", disse o representante Maxwell Alejandro Frost, democrata de Orlando.

A presença dos políticos atraiu uma modesta multidão à Rodovia 41, uma estrada de duas pistas que cruza o mangue Everglades de leste a oeste. Entre eles estava Benita Mendoza, cujo marido, Jordan Márquez, que veio para os Estados Unidos de Cuba há 19 anos, estava entre os primeiros detentos do centro.

"Ele está sempre me perguntando: 'Que horas são? Em que dia estamos?'", disse ela, acrescentando que Márquez, de 43 anos, lhe contou que não estava recebendo regularmente seu medicamento para pressão arterial.

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Manifestantes estavam entre aqueles do lado de fora do centro naquele dia. Um apoiador segurava uma bandeira americana ao lado de um cartaz que dizia "MANDEM MAIS JACARÉS!!". Outro homem vendia camisetas da 'Alcatraz dos jacarés' por US$ 25 cada. Quatro jovens dirigindo de Naples, na Flórida, para Miami em um conversível Mercedes-Benz pararam e gravaram vídeos.

Republicanos afirmaram que o centro requer menos segurança do que outros devido ao seu entorno inóspito, habitado por jacarés e cobras píton invasoras. Nenhum dos animais tende a atacar pessoas, e os indígenas americanos, incluindo a tribo Miccosukee, há muito tempo chamam o Everglades de lar.

A Flórida estimou que a instalação custará cerca de $450 milhões por ano para operar, com algum reembolso da Agência Federal de Gerenciamento de Emergências. Críticos observaram que o custo por detento é maior do que em prisões estaduais ou centros de detenção do ICE. O estado emitiu contratos sem licitação em caráter emergencial; alguns foram para doadores políticos republicanos.

Um ônibus cheio de detentos, incluindo Herrera, chegou na quarta-feira passada, mas não foram admitidos imediatamente. Eles foram mantidos no ônibus durante a noite, algemados nas mãos e pés, sem comida ou bebida, disseram Herrera e outro detento. Herrera havia sido informado que iria para o centro de detenção de Krome, administrado pelo ICE e mais próximo de Miami, mas chegou ao centro da Flórida.

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A newsletter da Folha sobre América Latina, editada pela historiadora e jornalista Sylvia Colombo

Os homens foram colocados em uma das oito unidades cercadas dentro de uma enorme barraca; aqueles com registros criminais graves receberam pulseiras vermelhas. Herrera, 55 anos, foi libertado da prisão há dois anos depois de cumprir pena por roubo de carro. Ele vive nos Estados Unidos desde os 3 anos de idade e não tem registro de cidadania na Argentina, de onde era sua família, tornando-o difícil de deportar.

O centro da Flórida era diferente das prisões federais e centros de detenção do ICE onde ele havia passado tempo, disse ele: não tinha regulamentos publicados ou contatos para um inspetor geral; nenhuma biblioteca jurídica ou materiais religiosos, incluindo bíblias; nenhum tempo de recreação ao ar livre, pelo menos não para sua unidade; nenhuma cantina ou máquinas de venda automática. Ao fundo, durante uma conversa telefônica com Herrera, alguns homens dentro da unidade podiam ser ouvidos gritando em espanhol: "Libertad! Libertad!"

Alexander Boni, 32 anos, um detento de Cuba, disse que pediu uma máscara facial depois que outros detentos ficaram doentes, mas não recebeu.

"Estamos desesperados aqui", disse ele.

Para passar o tempo, alguns detentos na semana passada fizeram peças de xadrez e dominós rudimentares com pedaços de papel, disse Herrera. Eles usaram graxa de solda das camas de metal para marcar as peças pretas.

Na terça-feira, guardas disseram a Herrera que ele seria transferido, embora não tenham dito para onde ele iria. Outros de sua unidade também haviam sido levados. Na quarta-feira, seu advogado recebeu aviso de que ele havia sido transportado para o centro de detenção do ICE de Krome, para onde ele deveria ter sido enviado.

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