'Meu carro voou', lembra sobrevivente de atentado terrorista na Argentina

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Há 31 anos, em 18 de julho de 1994, Horacio Neuah caminhava por uma calçada do bairro Once, na região de Balvanera, em Buenos Aires. Guardou os tecidos que tinha acabado de comprar para a sua loja, entrou em seu carro, andou por alguns metros e viu tudo em volta voar pelos ares.

"Na hora, eu não conseguia entender o que estava acontecendo, não era nada parecido com qualquer sensação que eu já tinha tido", conta Neuah, hoje com 80 anos. Ele é um sobrevivente da explosão na Amia (Associação Mutual Israelita-Argentina), quando um carro-bomba colidiu contra o prédio da entidade judaica, deixando 85 mortos e ao menos 300 feridos. O ato é considerado o maior atentado terrorista da história do país.

Mais de três décadas depois, o comerciante é convidado a contar sobre aquele dia em universidades, escolas e centros comunitários do país. Diz que manter a memória viva é uma forma de agradecer por ter sobrevivido. "O tempo não apaga, pelo contrário, parece que fica cada vez mais horrível."

Em abril do ano passado, a Justiça da Argentina responsabilizou o Irã por esse ataque e por outro, que dois anos antes ocorreu contra a embaixada de Israel, também em Buenos Aires, mas as investigações do caso são repletas de irregularidades. Sob o lema "A impunidade continua, o terrorismo também", a comunidade judaica prepara um ato de repúdio nesta sexta-feira (18), com presença do presidente Javier Milei. A cerimônia começa às 9h53, no horário e local da explosão.

"Sempre trabalhei no setor têxtil, vendendo lençóis, cobertores, toalhas, cortinas. Nem sempre eu passava pela rua Pasteur, onde fica a Amia, era até muito raro eu estar lá. Tenho meu negócio na província de Buenos Aires e, normalmente, uma ou duas vezes por semana, eu ia ao Once comprar mercadorias. Fazia minhas compras pontualmente e não ficava pela rua. Comprava o que precisava, guardava no meu carro e seguia para a loja. Tinha acabado de deixar a minha mulher no trabalho dela, bem perto dali.

Lembro como se fosse hoje daquele 18 de julho, 31 anos atrás. Era um dia claro, bonito, mas muito frio. Cheguei a alguns metros da Amia, estacionei atrás de uma van que estava lá, de um entregador de pães, estava carregando meu carro com a mercadoria quando uma tia da minha mulher, que trabalhava por ali, passou e me falou: 'Adeus, Horacio'. Coitada, aquele adeus foi a última coisa que ela disse.

Carreguei, saí e dirigi apenas alguns metros, quando tudo ficou claro e confuso. Meu carro estava a uns 30 ou 40 metros da esquina, a três prédios de distância, e não capotou, ele voou, deu um salto. Na hora, eu não conseguia entender o que estava acontecendo, não era nada parecido com qualquer sensação que eu já tinha tido, meu carro estava rangendo em todos os lados.

A van que estava estacionada na minha frente me protegeu do impacto maior —o motorista, que estava dentro do veículo esperando seu filho fazer uma entrega, infelizmente não sobreviveu. As janelas do meu carro foram quebrando, os pedaços de vidro iam voando para todos os lados. Eu fui jogado na esquina, sem entender o que tinha acabado de acontecer.

Quando o carro parou, senti o sol forte bater no meu rosto. Um toldo, barras de ferro, pedaços da calçada, postes, coisas muito pesadas passaram voando por cima do teto, por cima da minha cabeça. Fiquei com medo e tentei dar partida no carro, que pegou.

Fui até a esquina, e as equipes de emergência vieram correndo, me examinando para ver se eu estava ferido. Havia um odor muito forte de produtos químicos no ar, uma fumaça tóxica, não conseguia respirar. Eu só queria ir para casa.

Quando eu estava chegando, o zelador do prédio me falou: 'Não me diga que você foi pego pela bomba da Amia'. Só aí entendi o que tinha acontecido. Foi muito triste para minha esposa também, porque ela imaginou que não havia chance de eu me salvar, nenhuma. A coitada foi até os escombros, para verificar os corpos e ver se me reconhecia. Era uma época em que a comunicação era mais difícil, demorou para que ela descobrisse que eu estava bem.

É uma sensação muito desagradável, da qual ainda me lembro, mesmo 31 anos depois. O tempo não apaga, pelo contrário, parece que fica cada vez mais horrível.

Tenho certeza de que não viverei o bastante para ver o atentado ser totalmente esclarecido. Também estou convencido de que o terrorismo não distingue raça, religião ou crença. Eu nem estava na Amia, era um cidadão andando na rua, fazendo meu trabalho, e infelizmente, essas coisas acontecem, e podem acontecer com qualquer pessoa, em qualquer parte do mundo. É parte do instinto de algumas pessoas. Animais podem matar para comer, mas nunca matarão por matar.

Jamais tinha entrado no prédio Amia, o antigo, de antes da explosão. Passava pela porta, sou de ascendência sefardita, mas nunca fui muito religioso, me aproximei da comunidade judaica só depois do que aconteceu. Acho importante falar sobre aquele dia, para garantir que a memória não se perca. Gosto de ir às universidades e escolas, conversar com os mais jovens, de certa forma é um jeito que encontrei de agradecer por ter sobrevivido."

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