Milhares de drusos no Líbano e em Israel estão preparados para entrar na Síria de novo caso ataques à minoria religiosa no sul da nação árabe continuem, segundo Reda Mansour, embaixador de Israel no Brasil de 2014 a 2016 e o primeiro druso diplomata de carreira da história do país.
"Se sentirmos que, em alguns dias, esses massacres continuam, vamos ver milhares de drusos de Israel e do Líbano entrando na Síria. Isso já aconteceu antes, é parte da história drusa", afirmou Mansour, em sua cidade natal de Isfiya, no norte de Israel, uma das poucas comunidades de maioria drusa do país.
Ele se refere a momentos como a guerra entre Israel e Líbano em 1982, quando drusos israelenses invadiram o Líbano para proteger comunidades atacadas, e a 1936, quando, durante conflito entre judeus e árabes, drusos de Sweida, na Síria, entraram no então mandato britânico na Palestina, atualmente Israel, para defender suas comunidades ali.
É justamente em Sweida, onde vivem cerca de 700 mil drusos, que uma série de ataques de beduínos e confrontos subsequentes deixaram um número incerto de mortos que varia de cerca de 170 a 350, entre drusos, beduínos e forças de segurança de Damasco.
Nesta quarta-feira (16), cerca de mil drusos israelenses cruzaram a fronteira com a Síria com o intuito de auxiliar a comunidade drusa no país vizinho e para, segundo Mansour, provocar reações do governo de Israel.
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Lideranças drusas acusam o regime de Ahmed al-Sharaa de estimular e participar dos ataques, uma ofensiva que a minoria religiosa vê como ações de caráter genocida semelhantes ao que ocorreu com os alauítas na costa síria, em março.
O ataque de Israel a Damasco nesta quarta adiciona um tempero novo ao caldeirão da região. Tel Aviv atingiu os arredores do palácio presidencial e o Ministério da Defesa, matando ao menos cinco membros das forças de segurança, segundo médicos, e destruindo tanques na região de Sweida. De acordo com o governo israelense, mais de 160 alvos foram atingidos na Síria desde segunda.
Os drusos não possuem um Estado próprio e não têm essa pretensão. Há aldeias nas Colinas de Golã ocupadas; na região do monte Carmelo, no norte de Israel, onde fica Isfiya; em partes do Líbano; e no sul da Síria. São cerca de 700 mil drusos na Síria, 250 mil no Líbano e 140 mil em Israel, de acordo com Mansour.
"Não queremos nos envolver em uma questão interna da Síria, mas temos nossos irmãos drusos lá", disse à Folha Sarit Zehavi, ex-tenente coronel das Forças Armadas de Israel e fundadora do think tank Alma. Segundo ela, os ataques configuram um novo front de duração indeterminada, e uma retaliação do Exército sírio não pode ser descartada.
Após os ataques desta quarta, Hikmat al-Hajri, líder da minoria drusa, rejeitou um novo acordo de cessar-fogo anunciado por seu rival, Yousef Jarbou, e chancelado pelo Ministério do Interior da Síria. Jarbou, que se autodenomina líder e tem apoio do governo sírio, havia anunciado um acordo amplo em relação a Sweida.
Pouco depois, no entanto, Hajri —que é amplamente reconhecido como o líder supremo da etnia, principalmente pela maioria drusa— rejeitou o cessar-fogo e afirmou que os combates devem continuar até que o território seja "totalmente liberado".
Reconhecidas pela lealdade ao Estado em que habitam, comunidades drusas vivem um dilema inerente a sua forma de ser no Oriente Médio: integram os Exércitos dos três países e, dado o histórico violento dos vizinhos, eventualmente lutam entre si.
"Há por um lado a cultura de um druso primeiramente ser patriota, ou seja, israelenses lutam por Israel, libaneses, pelo Líbano, e passamos por algumas guerras em que drusos israelenses descobrem que há mortos de sua própria família do outro lado", diz Mansour.
"Por outro, a primeira coisa que fazemos é ajudar nossa comunidade se não há conflito entre os países. Mas isso em si é um conflito enorme: hoje estamos ajudando os drusos da Síria sabendo que, talvez em dez anos, se eles entrarem para as suas Forças Armadas, pode haver uma guerra entre Israel e Síria, e os drusos dos dois lados vão lutar um contra o outro. A história drusa é uma tragédia, mas essa é a realidade da nossa região", afirma o diplomata.
A ofensiva de Tel Aviv, na visão de Mansour, passa o recado ao regime de Sharaa de que Israel tem interesses estratégicos na comunidade drusa, como o combate ao jihadismo na fronteira.
Além disso, cria um dilema para os drusos sírios, segundo o diplomata. "A única força que está ajudando os drusos da Síria é Israel. Não são os EUA, a Europa, algum país árabe. É um tema novo para os drusos da Síria, que talvez no futuro se lembrem disso."