No comando do Bolsa Família, o ministro do Desenvolvimento e Assistência Social, Wellington Dias, diz que há preconceito nas críticas de empresários de que beneficiários do programa são um problema para a contratação de trabalhadores.
"Que história [é essa de] que esse povo não quer trabalhar? Não só quer trabalhar, como está trabalhando", diz. Ao C-Level, videocast semanal da Folha, o petista afirma que o povo "quer emprego decente". "É hora de o setor empresarial, de a gente unir forças, porque o problema com certeza não é que não quer trabalhar."
No momento em que a oposição critica o discurso do governo em defesa do aumento da taxação de super-ricos para financiar serviços públicos para os mais pobres, o ministro afirma que a divisão da sociedade é uma realidade do país.
"A divisão sempre tem e ela é uma realidade. Ninguém nunca escondeu que vivemos uma disputa de classe", afirma. "Cada um puxa a sardinha para as suas pautas. O que eu digo é que temos que trabalhar a condição de um diálogo."
O ministro diz que o Bolsa Família pode receber aperfeiçoamentos e que o governo tem investido em um cruzamento de dados para mapear municípios onde há maiores distorções nos programas sociais.
Até agora, o Executivo já conseguiu reduzir em R$ 15 bilhões o gasto total com o Bolsa Família. Neste ano, a redução será de R$ 7 bilhões.
Dias defende a alta do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) e diz que o aumento da tributação para rendas financeiras mais altas traz coerência com a base de Lula (PT) e o compromisso assumido na eleição de 2022. "É uma posição que a gente vai sustentar", afirma.
O governo aposta num discurso de justiça tributária, com aumento da tributação dos super-ricos e direcionamento de políticas para a população de baixa renda. Que circunstâncias levaram o governo a tomar essa decisão agora?
Somos um dos países com mais injustiça tributária, onde alguém que tem um rendimento de R$ 100 milhões paga proporcionalmente o que paga uma professora de universidade, um jornalista. Não é razoável.
O Congresso aprovou algumas despesas sem garantir a devida receita. O ministro da Fazenda tem uma obrigação constitucional de garantir o cumprimento das metas. Ali, ele fez uma mudança no IOF. Politicamente, isso [taxação do IOF] traz coerência com a base do presidente Lula, o compromisso dele também assumido na eleição de 2022. É uma posição que a gente vai sustentar.
O ex-presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, disse que o 'nós contra eles' atrapalha o crescimento. Como responde a essas críticas de divisão na sociedade?
A divisão sempre tem e ela é uma realidade. Ninguém nunca escondeu que vivemos uma disputa de classe. Por isso que tem as organizações da classe trabalhadora, as organizações das classes profissionais, as organizações da classe empresarial. Cada um puxa sardinha para as suas pautas. O que eu digo é que temos que trabalhar a condição de um diálogo.
O governo já adotou algumas medidas nessa direção. Teve o aumento da isenção do Imposto de Renda, a criação do imposto mínimo voltado para altas rendas. O que mais pode fazer de acenos nessa direção?
Da parte geral, na verdade, o que está previsto mesmo é sustentar essa medida, e por completa falta de alternativa.
O ministro Fernando Haddad mencionou que o maior problema fiscal do Brasil é o BPC (Benefício de Prestação Continuada), por conta da judicialização. Estima-se que um em cada sete benefícios do BPC seja concedido por via judicial. Isso não é uma distorção?
No governo anterior, se desmantelou o Cadastro Único. Uma ideia extraordinária foi trocada por um aplicativo. Hoje, com base em decisões de investigações da Justiça Eleitoral de 2022, eu digo que foi parte de um plano de fraude. A fraude não foi uma coisa que aconteceu por acaso. Era troca de voto. Vota, recebe benefício. Não vota, não entra no benefício
Quando começamos a fazer as averiguações, encontramos 4,1 milhões de benefícios com fraudes, com irregularidades. Enquanto isso, 5,5 milhões [de pessoas] não conseguiam acessar.
A questão do BPC é um desdobramento disso?
Semelhante. No caso do BPC, foi criado um verdadeiro esquema nessa área judicial, em que escritórios de advocacia com um conjunto de outros atores entraram numa linha de "quem quer BPC", e o resultado é perverso.
No caso do BPC, especialistas apontam que não é uma questão só de fraudes, mas também de modelo. Propostas para mudar o conceito de deficiência e doenças graves e moderadas não avançaram. O que comentam é que o seu ministério foi resistente a essas mudanças. Por quê?
Nosso ministério acatou a proposta de trabalhar dois critérios. O primeiro deles é a classificação da deficiência. Isso tem um código internacional, é estabelecido com regras da Organização Mundial da Saúde, portanto bem transparente.
Segundo, vulnerabilidade. Foi onde discordamos. Não é qualquer deficiência, não é qualquer pessoa. Por exemplo, eu tenho uma filha autista nível 4, mas de uma família de classe média que tem renda. O BPC é para as pessoas que têm vulnerabilidade na renda. Por isso, permaneceu em um quarto do salário mínimo a renda mínima para poder alcançar o direito do BPC.
De 2 milhões de averiguações, em torno de 160 mil entraram em uma averiguação especial que gerou suspensão ou cancelamento de benefício porque não preenchia os requisitos estabelecidos na lei.
O governo instituiu a Rede Federal de Fiscalização, que faz um mapeamento das cidades com problemas no Bolsa Família. Vocês estão fazendo um trabalho também em relação ao BPC para esses cruzamentos e identificar locais onde talvez haja um maior índice de problemas?
Sim, nós temos uma inteligência que é capaz de detectar todas as situações. Naquele município tem mais BPC do que Bolsa Família? Ali levanta uma alerta. São 1.131 municípios, para você ter uma ideia. [...] Temos situações de fraudes com hackers, fraudes com a participação de agentes públicos.
No caso do Bolsa Família, com as medidas de dezembro aprovadas, quanto se pode economizar?
Avaliação é de R$ 7 bilhões a R$ 8 bilhões esse ano.
Em relação ao valor do Bolsa Família, o governo já apontou que não deve haver reajuste no valor do Bolsa Família neste ano de 2025. O ministro Fernando Haddad disse que o valor está no patamar internacional. O governo vai manter essa posição em 2026?
O Brasil cumpre a regra internacional pactuada na Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, que é de se ter um colchão de proteção de US$ 40. O que a gente está repassando por pessoa no Bolsa Família, R$ 230 [por pessoa da família beneficiada], está até um pouco acima dos US$ 40.
Nessa conjuntura, não há razão para ter reajuste. O Bolsa Família não é salário, não é para substituir salário. O Bolsa Família é uma ajuda, um socorro enquanto a pessoa tem a oportunidade de um emprego, de um trabalho, um negócio, uma oportunidade de uma renda.
O que a gente viu em 2022 foi uma disputa muito acirrada em das promessas envolvendo o programa, como a do valor mínimo de R$ 600. Não haverá necessidade de reajuste em 2026?
Queira Deus que não, porque foi uma loucura aquilo. Não tinha nada a ver com o critério internacional. Era um leilão: "quem é que vai propor uma coisa maior?". E lhe digo assim, na conjuntura de 2025, eu digo que não. A conjuntura de 2026 eu não sei.
Com essa declaração, o sr. quer dizer que em 2026 um ajuste pode ser necessário?
Pode. Este ano, com o dólar no patamar que está, preço de alimento no patamar que está, as condições climáticas mais favoráveis, não tenho como prometer como é que vai ser em 2026. É provável que um desses indicadores se altere.
Mas todo político quer conceder alguns benefícios na eleição, quer ter apoio da sua base.
O presidente Lula tem a justa dimensão do papel do Bolsa Família. A preocupação com o desequilíbrio das contas é a quebra do planejamento para o crescimento econômico. O país, quanto mais cresce a economia, mais ajusta suas contas. Muitas vezes se deseja que as contas sejam ajustadas com corte de despesa. Isso gera um efeito colateral que termina atacando a própria economia.
O empresário Ricardo Faria, o 'rei do ovo', criticou o Bolsa Família...
No ano passado, eu estive em Baixa Grande do Ribeiro (PI), numa propriedade do Ricardo Faria. A gente precisa ter um cuidado para não ir na linha do preconceito. Quem é que não quer crescer? Os mais ricos querem crescer, imagina o mais pobre. Eu já vivi a pobreza, [o pobre] é quem mais quer crescer. Agora, não quer se submeter.
Quando a gente olha os novos empregos com carteira assinada do agronegócio, 71% é [de beneficiários do] Bolsa Família. Que história [é essa] de que esse povo não quer trabalhar? Então, o que eu estou chamando a atenção ao Ricardo Faria é para a gente ter um cuidado. Eu acho que a gente não pode atacar o mais pobre porque é pobre.
O sr. ligou para ele?
Liguei.
Como foi a conversa?
"Você está me devendo"... Eu falei lá com o presidente da Aprosoja [associação dos produtores de soja] também: "Vocês estão me devendo. Eu fui aí, fiz uma proposta". Ele disse que tem uma escola de formação, que a gente ia preparar junto um plano e não apresentaram a proposta. Porque, quando ataca, parece que alguém que está ali vivendo com R$ 600, R$ 700 é preguiçoso, não quer trabalhar. Não é verdade. Essa moçada trabalha e dá um duro danado.
O Bolsa Família é um programa que completou 20 anos, e existem algumas avaliações de que a conexão política entre o eleitor que faz parte do programa e os governos do PT se perdeu um pouco. Qual o diagnóstico sr.?
Eu sou de uma geração que era a Igreja Católica, principalmente, que ia lá nas comunidades organizar. Eu venho da Juventude Operária Católica. Os evangélicos ocuparam essa área. Minha esposa é evangélica, meus filhos são evangélicos. Nós [PT] somos um partido que veio para organizar o povo, para que ele compreenda o que está em disputa na sociedade e ali a gente abraça suas causas, uns abraçam as causas dos outros, e dá resultado.
É um milagre o que está acontecendo com o Brasil de crescer a taxas em torno de 3% na conjuntura que nós estamos vivendo. Uma conjuntura de juros três vezes a inflação.
Galípolo é uma decepção?
Não pode o Banco Central ser a trava para o país crescer. O Banco Central tem a missão de controle da inflação, regulação do câmbio, mas também do desenvolvimento.
Raio-X Wellington Dias, 63
Nascido em Oeiras (PI), iniciou a carreira política como vereador em Teresina. Foi deputado estadual, deputado federal, senador e governador por quatro mandatos (2003-2010 e 2015-2022). Desde janeiro de 2023, é ministro do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome.
Colaborou Marcos Hermanson