Um ano após a privatização, a Sabesp recorre ao lema do governo de Juscelino Kubitschek para destacar a virada que promete fazer no saneamento paulista. A nova gestão diz que, nos próximos cinco anos, vai investir mais do que foi investido nos últimos 50 anos, ou seja, durante toda a era estatal.
Em peças publicitárias que começaram a circular nesta semana, a companhia afirma que já começou a fazer os aportes que somarão R$ 70 bilhões para universalizar a água e o tratamento de esgoto no estado de São Paulo até 2029. Esse montante, de acordo com a campanha, superaria o que foi investido no passado.
A comparação, no entanto, é distorcida. Levantamento feito pela Folha mostra que a Sabesp investiu bem mais de R$ 70 bilhões durante a era estatal. Só entre 1995 e 2024, ao longo de 30 anos, a empresa aportou R$ 74,2 bilhões em valores nominais. Corrigido pela inflação, os números chegam a R$ 135 bilhões.
O levantamento considerou os valores de investimento em sistemas de água e esgoto reportados pela empresa anualmente em documentos enviados à CVM (Comissão de Valores Mobiliários).
Questionada pela reportagem sobre a divergência entre os dados, a Sabesp disse que a comparação considerou a base de ativos regulatória atual, que hoje está em cerca de R$ 70 bilhões. Essa rubrica dimensiona o tamanho da empresa e tem relação com investimentos feitos no passado, mas não expressa com exatidão os aportes feitos no período.
A base de ativos regulatória é um conceito contábil de empresas do setor de utilidades, como saneamento e energia elétrica. É basicamente o valor do conjunto de bens que permitem a entrega dos serviços (de tubos a estações de esgoto). Esses ativos sofrem depreciação a cada ano.
"Essa base de ativos é construída a partir da soma de todos os investimentos feitos desde a fundação da Sabesp, corrigidos pela inflação para que estejam em valor presente. No entanto, é necessário subtrair a depreciação acumulada dos ativos, ou seja, o desgaste natural de cada bem com o passar dos anos", diz a empresa em nota.
No caso da Sabesp, a base de ativos é considerada no cálculo da tarifa a ser cobrada da população, para que a companhia seja remunerada pelos custos operacionais do capital investido.
"Trata-se do patrimônio líquido regulatório reconhecido, e é ele que fundamenta a remuneração permitida à companhia, garantindo sua sustentabilidade financeira. É esse valor que define a capacidade de geração de receita e, consequentemente, a condição de continuar investindo em expansão e modernização dos serviços, ao mesmo tempo em que asseguramos uma remuneração justa aos acionistas", diz a empresa.
Folha Mercado
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À Folha o próprio diretor financeiro da Sabesp, Daniel Szlak, afirmou que a ação publicitária não usa as mesmas rubricas.
"Não é uma comparação banana com banana. Mas, para efeitos de como a gente é remunerado, é uma comparação fidedigna."
Apesar da distorção, a privatização da Sabesp deve de fato aumentar o volume de investimento em infraestrutura de água e esgoto em São Paulo.
O principal motor para isso é a obrigação expressa no contrato de desestatização de antecipar a universalização dos serviços de água e esgoto do estado de 2033 para 2029.
A privatização da Sabesp teve início em fevereiro de 2023, a partir de um estudo de viabilidade conduzido pelo IFC (International Finance Corporation). O processo foi concluído em 23 de julho de 2024, em uma cerimônia realizada na B3 (a Bolsa de Valores de São Paulo).
Com a desestatização, o governo estadual levantou R$ 14,77 bilhões, já que a ação vendida pelo Estado foi precificada em R$ 67 tanto pelo acionista de referência quanto pelo mercado. O valor foi cerca de 20% inferior ao preço do papel da companhia à época.
Em uma oferta sem concorrência para a escolha do investidor estratégico, a Equatorial Energia arrematou 15% dos papéis da companhia de saneamento de São Paulo.