Deve-se atribuir uma virtude a Donald Trump: é um comunicador incansável. Tem permanecido nas manchetes do mundo como assunto único ao longo de semanas. Faz caras e bocas, diz que não está feliz com Vladimir Putin, depois engrossa a voz, impõe tarifas a aliados, chantageia o Brasil, desanca o presidente do Federal Reserve e o mundo segue olhando para ele. Autoritário, megalomaníaco, egocêntrico, mas com profundo senso de espetáculo. Até agora.
Este presidente fora da norma, que atropela as instituições, a diplomacia, as regras do livre comércio e a própria Constituição americana, age no impulso de que é preciso destruir tudo, para emergir, triunfante, dos escombros. A extrema direita gosta da ideia. Idem ao cubo, o apocalíptico Steve Bannon, ex-assessor da Casa Branca, e suas réplicas. Porém, a julgar pelas pesquisas de opinião, os americanos começam a dar sinais de cansaço de tanta trepidação, ainda que boa parte siga confiante no presidente.
Recente média de opinião sobre o governo Trump, calculada pelo jornal The New York Times junto a vários institutos de pesquisa, mostra que hoje 52% dos americanos desaprovam o que Trump tem feito, contra uma aprovação de 44%. É um patamar ainda estável, mas com tendência de elevação dos que rejeitam o governo. Já a revista The Economist fala em média de 55% de desaprovação sobre 41% de aprovação, sendo que o instituto YouGov ampliou a diferença para 18 pontos percentuais entre um lado e outro, com aumento expressivo no nível de desagrado pelo atual governo.
Os números vão nessa direção à medida que os Estados Unidos se tornam um país disfuncional para os americanos. Musk abandonou o governo, mas Trump não abandonou a ideia de aprofundar cortes e congelamentos em setores essenciais, que afetam o dia a dia de todos. Ele não pode mais ser reeleito, só no plano da fantasia —porém, talvez não escape de acertar contas com quem está pagando o preço do seu voluntarismo blindado.
Há motivos para isso. As recentes enchentes no Texas, bem como inundações em Nova York, refletem os cortes sobre o Serviço Meteorológico Nacional, que faz muito mais do que previsão do tempo. A própria agência admitiu que seu trabalho está prejudicado. Por sua vez, a Administração Oceânica e Atmosférica Nacional (cuja sigla em inglês é NOAA) foi avisada do fechamento de 10 laboratórios.
Um deles fica em Miami e abriga os "caçadores de furacões", equipes que sobrevoam tormentas para coletar dados que podem salvar vidas. Já na Agência Federal de Gestão de Emergências (Fema), encarregada de responder a diferentes tipos de desastres, 10% do pessoal foi desligado e a próxima leva será de 20%.
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E tem mais por aí. O efeito bumerangue do tarifaço de Trump sobre a economia americana deixa de ser especulação para se converter em realidade, tanto que o índice de preços ao consumidor subiu 2,7% em junho. As principais preocupações dos eleitores, confirmam as pesquisas, são inflação, emprego e saúde, nesta ordem, e ponto final.
Até a euforia dos que aplaudiram as medidas anti-imigrantes começa a arrefecer. Porque, no fundo, o que conta é a vida real e não uma América prometida, embrulhada num slogan. O presidente "one man show" vai precisar de muitas habilidades de comunicador para encarar esse país disfuncional.