Em entrevista à Folha, o economista americano Paul Krugman, vencedor do prêmio Nobel de Economia em 2008, afirma que o presidente americano Donald Trump adotou a prática de punir países que contestem a sua visão de poder para os EUA. No caso do Brasil, reforçou o componente político da sobretaxa de 50% anunciada sobre todos os produtos brasileiros.
"O Brasil teve a ousadia de insistir em julgar Bolsonaro, que Trump claramente enxerga como um espírito afim. Não há nada de econômico na carta de Trump", reafirmou. Em texto publicado na internet na última quarta-feira (9), Krugman classificou a medida de "maligna e megalomaníaca" e sugeriu, ironicamente, que Trump iniciou um programa de proteção a ditadores.
"Bolsonaro é claramente um autoritário —e tentar reverter uma eleição que perdeu mostra que ele não aceita a democracia quando não gosta do resultado", disse.
Krugman entende que o Brasil tem espaço para aplicar a reciprocidade, mas também pode buscar outros mercados, caso Trump insista no tarifaço. "Laços mais estreitos com outros mercados também podem ser uma forma de revidar", sugeriu.
Na sua avaliação, a guerra tarifária não é uma alternativa para tornar a América grande outra vez, ao contrário, prejudica os consumidores e a competitividade da indústria dos EUA.
"Pessoalmente, posso viver sem suco de laranja e açúcar, mas mexer com o café é um insulto pessoal", afirmou. "Em algum momento, os mercados vão reagir contra essa arbitrariedade", disse.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista.
Existe algum paralelo na história dos EUA ou nas relações internacionais que se assemelhe ao que Trump está fazendo com o Brasil ao impor essa tarifa de 50%? Nada na história dos EUA. Pelo que eu saiba, nunca usamos tarifas como forma de coerção política. Se outros países fizeram isso, eu não sei.
A reação de Trump ao julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro ocorreu após a reunião dos Brics [grupo que reúne economias emergentes]. O senhor avalia que o uso político das tarifas se limita à questão do Bolsonaro ou também está relacionado ao fortalecimento das relações entre os países que compõem esse bloco econômico? Você está pedindo para eu modelar a mente do Trump, o que está além das minhas capacidades. Acho que ele se sente ofendido por qualquer país que pareça contestar a sua visão de poder dos EUA.
Mas que o Brasil teria feito de tão grave para receber tarifa tão elevada? O Brasil teve a ousadia de insistir em julgar Bolsonaro, que Trump claramente enxerga como um espírito afim. Não há nada de econômico na carta de Trump. Em geral, ele tem atacado qualquer país que não reconheça sua supremacia —ele está furioso com o Canadá por ridicularizar sua exigência de que se tornasse um estado americano. Na visão de Trump, todos deveriam estar dispostos a fazer qualquer coisa que ele diga para manter acesso ao mercado dos EUA.
Por que o sr. considera Bolsonaro "outro aspirante a ditador", como mencionou em sua publicação?
Bolsonaro é claramente um autoritário —e tentar reverter uma eleição que perdeu mostra que ele não aceita a democracia quando não gosta do resultado.
Alguns setores no Brasil avaliam que o governo Bolsonaro foi positivo para a economia. O sr. tem uma opinião formada sobre o desempenho econômico de sua gestão? O desempenho econômico não é a questão.
Ao chamar Trump de megalomaníaco, o sr. destaca que as exportações do Brasil para os EUA representam apenas 2% do PIB [Produto Interno Bruto]. Em outras palavras, o sr. avalia que o país tem condições de contornar essa tarifa pesada? Para os setores afetados, será difícil —mas eles não são uma parte tão grande da economia. Teremos que ver as alternativas. Consigo imaginar facilmente alguma substituição do mercado europeu pelo americano, mas os especialistas da indústria podem falar mais sobre isso.
Dados de importação dos EUA mostram que o Brasil responde por 65% das importações de suco de laranja, 22% dos grãos de café e 12% do açúcar de cana, por exemplo. Mantidas a tarifa, os próprios americanos podem ser prejudicados, ou o país consegue outros fornecedores rapidamente? Existem fontes alternativas para todos esses produtos, mas o efeito ainda será prejudicar os consumidores americanos. Pessoalmente, posso viver sem suco de laranja e açúcar, mas mexer com o café é um insulto pessoal.
O sr. até menciona que só essa medida já seria motivo para impeachment. É uma forma de retaliação sustentável, ou podemos esperar alguma reação interna? As tarifas sobre o Brasil sozinhas não terão muito peso na política americana, mas o impacto geral das tarifas nos preços terá —em algum momento, os mercados vão reagir contra essa arbitrariedade.
A guerra comercial de Trump tem potencial para fazer o contrário do que ele afirma buscar: não tornar a América grande novamente e ainda fazer o país perder espaço no comércio global e fortalecer novas relações comerciais entre economias emergentes? Claro. Além do Brasil, o outro grande anúncio de tarifa foi sobre o cobre —um insumo industrial chave. Então ele está sistematicamente tornando a indústria americana menos competitiva.
O governo brasileiro sinalizou que pode aplicar a reciprocidade. Quais são as melhores alternativas para o Brasil reagir a essa agressão? Acontece que o Brasil é um dos poucos países que tem déficit comercial com os EUA. Então tarifas recíprocas são, de fato, uma ferramenta relativamente eficaz. Como o Brasil concorre com algumas exportações americanas, laços mais estreitos com outros mercados também podem ser uma forma de revidar.
Aqui no Brasil, o mercado de câmbio já sofre pressão, com alta do dólar. Que outros efeitos colaterais o país pode enfrentar? O Brasil vai enfrentar alguma deterioração na sua moeda e nos seus termos de troca. Mas é importante manter a perspectiva. Isso não é um choque de primeira ordem.
RAIO-X Paul Krugman
Natural de Albany, no estado e Nova York (EUA), lecionou nas universidades mais conceituadas do mundo, como Yale, MIT, Stanford, London School of Economics e Cucy (City University of New York). Recebeu o Nobel de Economia em 2008 por seus estudos sobre o comercial internacional. Foi colunista do New York Times e da Folha.