Vale do São Francisco vira atração enoturística com tecnologia e clima tropical

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Turistas que buscam conhecer e degustar diferentes vinhos, conhecer a produção vitivinícola e aproveitar de culinária e atrações únicas agora podem olhar para o sertão nordestino e descobrir uma nova forma de produção da bebida brasileira, em clima tropical.

O vale do São Francisco, já conhecido por seu protagonismo na exportação de frutas, como a manga, agora usa a uva para produzir a bebida em diversas intensidades, tipos e sabores. Com isso, vinícolas do local apostam do enoturismo para aumentar a procura por rótulos nacionais.

A região foi beneficiada por uma série de investimentos em tecnologia de irrigação, capazes de levar água às fazendas e evitar a perda de nutrientes no solo. A mistura da técnica com clima quente resulta em colheita constante, o que possibilita a visita em qualquer período do ano.

A região já é conhecida por exportar uvas de mesa para todo o Brasil —95% da fruta consumida no país inteiro vem de dois estados: Pernambuco, que corresponde a 68,3% da produção, e Bahia, com 30,3% do total colhido e vendido.

Esse potencial é agora explorado para produzir vinhos tanto com marcas típicas da região, como Rio Sol, Garziera e Botticelli. Também há rótulos já conhecidos, de marcas que também produzem em outras regiões do país, como a Miolo, que já produz em Bento Gonçalves (109 km de Porto Alegre).

Hoje são sete opções de vitivinícolas disponíveis para visita nos municípios pernambucanos de Petrolina, Lagoa Grande e Santa Maria da Boa Vista, e nas cidades baianas de Lago de Sobradinho, Casa Nova e Curaçá.

Um dos passeios, o Vapor do Vinho, iniciado em Lago de Sobradinho, passa por quatro locais de produção e inclui navegação de catamarã pelo lago de Sobradinho, e custa R$ 260 por pessoa. Outro, a Rota dos Vinhos, tem o mesmo preço para apenas uma vinícola, mas oferece passeio de catamarã, além de almoço regional, visitas guiadas à adega e à fábrica e degustações pelos trajetos.

As outras vinícolas oferecem opções mais baratas, mas com menos tempo de duração e experimentação de menos rótulos. Há visitações em apenas uma hora, com degustação de quatro vinhos e taça personalizada a R$ 60, e outra com experimentação de uva recém-colhida, além de harmonizações com petiscos e visita à fábrica por R$ 90.

Boa parte da produção passou a ser inicialmente estudada e produzida nos anos 1960, quando a Comissão do Vale do São Francisco, precursora do que hoje faz a Codevasf (Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba), passou a organizar a produção agrícola irrigada na região, o que fez com que terras da caatinga se tornassem áreas verdes.

Essa transformação tecnológica permitiu a plantação das primeiras videiras, que, produtivas e saudáveis, abriram caminho para a criação de uma cadeia produtiva fortalecida nos anos 1980, com o surgimento de vitivinícolas e a produção de vinhos finos.

Na década de 1990 vieram as uvas sem sementes, além da melhoria da infraestrutura de escoamento de produção, o que fez com que a região se consolidasse como alternativa viável para produzir as bebidas. Surgem, nos anos 2000, escolas como o Instituto Federal do Sertão Pernambucano e a Escolha do Vinho, oferecendo capacitação e especialização na área para os que residiam nos municípios ao redor.

A irrigação por sistema de gotejamento com as águas do rio São Francisco é a tônica da produção na região, em virtude do clima tropical semiárido, com grande incidência de insolação e precipitação intensa entre novembro e abril.

Adauto Quirino, engenheiro agrônomo responsável pela vitivinícola Verano, onde são produzidas as marcas Terroir do São Francisco e Tropical Vitivinícola, afirma que o Vale do São Francisco possui "um solo em mosaico, com muitos tipos de terra para produções diferentes".

Ele também cita a existência de microclimas sazonais, variações locais que aparecem na região durante todo o ano apesar das características típicas das estações. Essas alterações afetam a forma de tratar as videiras, posicionadas para crescer na vertical e cobrir os cachos, protegendo os frutos da insolação.

As condições climáticas favoráveis e a tecnologia de irrigação presente em todas as vitiviniculturas na região possibilitam a produção de uva e do vinho em todas as fases fenológicas —a dormência da videira, a brotação da fruta, a floração dos pés, o crescimento e, por fim, a maturação— ao mesmo tempo.

O resultado é a possibilidade de colheita todos os dias do ano, com o ciclo da videira completando duas safras. Em regiões brasileiras com clima temperado, mais notadamente o Rio Grande do Sul e São Paulo, a produção da uva cumpre um ciclo durante o ano inteiro.

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Apesar da diversidade de opções turísticas na região, há gargalos que podem acabar dificultando a visita de todas as vinícolas, tanto em Petrolina, quanto nas cidades ao redor. O primeiro é a falta de hotéis, o que encarece os preços de estadia em alta temporada, especialmente no período de festas juninas, quando a cidade abriga grande festa de São João.

Quartos em torno dos R$ 200 podem ter as diárias quadruplicadas, o que inviabiliza a visita apesar dos valores em conta na passagem de avião (por volta de R$ 1.200 em pacote com ida e volta) e das visitas com custo mais baixo.

Ainda, o transporte para os locais na região é precário, o que obriga a maioria dos turistas a utilizarem vans contratadas com empresas terceiras, carros alugados ou serviços por aplicativo. As vinícolas, neste caso, possuem traslado incluso em seus pacotes.

Mesmo assim, a viagem fica completa com a série de opções fora do enoturismo: além de fazer a travessia entre Petrolina e Juazeiro pelo Velho Chico, é possível conhecer outras cidades do entorno e até ilhas banhadas pelo rio, onde é possível aproveitar o sol como numa praia e descansar com águas cristalinas e areia fina.

Na culinária, chama a atenção o Bodódromo: complexo gastronômico de Petrolina que serve carne de bode e de cordeiro em seus restaurantes. Há pratos como kibe, kafta, sarapatel e até estrogonofe a base dessas carnes, além de prová-las na brasa.

Outros restaurantes na cidade oferecem ampla variedade de peixes, pirão, carne seca e mandioca. Churrascarias com carnes regionais também estão disponíveis, com ampla variedade de preços, servindo do cliente mais básico ao mais exigente.

Há ainda museus e centros culturais que enaltecem a história do sertão, além das carrancas, peças muito presentes na região, utilizadas pela população ribeirinha para chamar a atenção de embarcações no século 19 e afastar maus espíritos.

O jornalista viajou a convite do Sebrae-PE e do Consevitis-RS (Instituto de Gestão, Planejamento e Desenvolvimento da Vitivinicultura do Estado do Rio Grande do Sul)

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