Radiografia da pauta de exportação brasileira aponta o início de um processo de reorientação de rota na direção do crescimento das vendas de produtos tecnológicos ao exterior, após uma tendência de queda observada entre 2016 e 2020.
O recrudescimento do protecionismo comercial iniciado pelos Estados Unidos com o anúncio do tarifaço pelo presidente Donald Trump, porém, ameaça esse movimento de inflexão, alertam os pesquisadores do Observatório do Desenvolvimento da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais). O grupo traçou um raio-X das vendas externas do Brasil no período de 2020 a 2024.
"O tarifaço é uma grande ameaça à recente aceleração das exportações brasileiras de maior intensidade tecnológica", adverte o estudo, antecipado à Folha e que será publicado nesta segunda-feira (28).
O mapeamento aponta que as exportações de produtos de média e alta tecnologia, que caíram 16,7% e 30,6%, respectivamente, entre 2016 e 2020, apresentaram crescimento de 27,8% e 25% entre 2020 e 2024.
De acordo com a pesquisa, a trajetória reverte a tendência de queda e abre uma janela de oportunidade para o país em relação à diversificação das exportações, mas ainda é incipiente. Isso vai exigir cautela redobrada das autoridades do governo brasileiro na mesa de negociação com os norte-americanos.
Em mapeamento anterior, publicado em 2021, os pesquisadores do Observatório tinham identificado um forte processo de regressão produtiva no período de 2016 a 2020, marcado por queda na diversificação exportadora, "reprimarização" (termo usado para mostrar aumento das vendas de produtos primários) e retração nos setores de média e alta tecnologia.
Os novos achados indicam a continuidade da dominância dos produtos primários e baseados em recursos naturais —responsáveis por mais de 70% do valor exportado em 2024—, mas agora com a retomada do crescimento das exportações de bens tecnológicos, com destaque para o crescimento das vendas de aeronaves e de maquinário de energia elétrica.
Os dados mostram ainda uma queda de 67% nas exportações de madeira bruta e de 55% nas de ouro nos dois primeiros anos do governo Lula, revertendo a tendência de crescimento acelerado desses produtos durante o governo anterior.
Para o Observatório, o anúncio do tarifaço dos Estados Unidos reforça de maneira contundente a importância de uma pauta mais diversificada tanto em termos de bens, em especial aqueles com maiores níveis de complexidade, como também de destinos.
O estudo destaca que o eventual tarifaço que Trump ameaça impor a partir do dia 1º de agosto amplia os desafios para o Brasil seguir na rota de aumento das vendas externas com presença de mais produtos tecnológicos.
Embora o mercado norte-americano tenha reduzido a sua importância agregada na pauta comercial brasileira ao longo do tempo, ele é extremamente importante para setores específicos, além das commodities tradicionais.
Os EUA são responsáveis por 63% das exportações brasileiras de aviões e por 28% de máquinas, que são setores estratégicos de alta e média tecnologia.
"É recomendável uma especial atenção por parte do governo e a adoção de políticas compensatórias de incentivo caso o tarifaço venha a se concretizar", diz o professor João Prates Romero do Cedeplar (Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional) da UFMG.
Como mostrou a Folha, representantes dos Estados Unidos já sinalizaram, na última semana, terem interesse em minerais estratégicos, e podem também abrir uma exceção na sobretaxa para as vendas brasileiras de ferro-liga, produtos primários e semiacabados, que estão na contramão de uma maior diversificação.
Segundo Romero, o processo de diversificação é importante não só por aumentar a capacidade de adição de valor da produção nacional e gerar um processo de crescimento mais inclusivo e sustentável, mas também para elevar a resiliência da estrutura produtiva do Brasil frente a choques adversos.
Para ele, o Brasil encontra-se diante de uma janela de oportunidade para redefinir sua inserção produtiva e comercial no cenário internacional. O estudo indica que um dos produtos de alta tecnologia que mais cresceu entre 2022-2024 foi exatamente de aeronaves, via a empresa brasileira Embraer, que tem o mercado norte-americano como principal comprador para atender a aviação regional.
"É preciso ter atenção especial com esse setor nesse contexto de agressão comercial do Trump", diz o professor. Ele ressalta que o projeto de lei que flexibiliza as regras do licenciamento ambiental também pode inviabilizar a continuidade da rota de desenvolvimento sustentável iniciada nos últimos anos.
Evidências empíricas mostram que trajetórias de desenvolvimento, que combinam aumento da complexidade produtiva com redução do desmatamento, são viabilizadas em períodos nos quais a fiscalização ambiental foi mais severa.
Para ele, o projeto de licenciamento ambiental pode reverter a melhora nos indicadores de impacto ambiental que são refletidos também nas menores exportações de madeira e ouro.
Pelos novos dados, os produtos primários ampliaram sua participação na pauta exportadora, passando de US$ 112 bilhões em 2020 para US$ 162 bilhões em 2024, um aumento real de 45%. A maior expansão das exportações ocorreu entre 2020 e 2022, período correspondente ao governo Bolsonaro.
No entanto, esse ritmo se manteve constante no início do governo Lula, com os volumes atingindo US$ 173 bilhões em 2023, com leve recuo em 2024. Por outro lado, os produtos baseados em recursos primários mostraram trajetória mais estável.
Após um aumento de 40% entre 2020 e 2021 (de US$ 82 bilhões para US$ 114 bilhões), o crescimento praticamente estagnou, oscilando em torno de US$ 104 bilhões a US$ 101 bilhões nos anos seguintes. Embora tenham perdido participação relativa na pauta, o grupo ainda se mantém como o segundo maior entre as categorias.
O principal destaque é a exportação de navios e embarcações, que lideram com um aumento de 833%, seguidos por materiais radioativos, maquinários e aparelhos elétricos e caldeiras geradoras de vapor. Na contramão, a pesquisa mostrou retrações importantes em segmentos da indústria química e em bens de capital mais sofisticados.
Produtos como reboques e semirreboques, medidores e contadores, e máquinas de escritório apresentaram quedas expressivas, com variações negativas que chegaram a 65% no caso deste último setor. "Esses resultados revelam a fragilidade de parte da base exportadora tecnológica nacional, reforçando a necessidade de políticas industriais mais robustas para sustentar o crescimento em setores de média e alta complexidade."